sábado, 21 de dezembro de 2013

Judeus e cristãos novos em Travanca de Lagos(cont.)

Tribunal da Inquisição de Coimbra - 1572 a 1821


Na sequência da recente investigação, sobre a presença de cristãos novos em terras de Travanca, fez-se uma interessante descoberta que se relaciona com a existência de um Processo do Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Coimbra,  no qual era acusada de blasfémia, Paula Fernandes, uma senhora natural da Venda de Gavinhos, freguesia de Travanca de Lagos, isto em 24/05/1604. Refere ainda o documento que, Paula Fernandes, era filha de António Fernandes e de Catarina Anes, encontrando-se viúva de António Afonso, lavrador de profissão. Não constam datas de nascimento. Vem descrito que o seu estatuto social era 1/2 Cristã-Nova. Eureca! Mais uma vez confirma-se que cristãos novos passaram por Travanca, e não apenas só os indícios deixados nas ombreiras das portas de granito. Pena é que poucos processos estejam tratados arquivisticamente, e portanto, indisponíveis para consulta online. Há sempre a esperança que apareçam mais processos da nossa região, mais concretamente de Travanca de Lagos. Outro dado muito interessante, dessa época, é a naturalidade do Inquisidor-mor de Coimbra, João Alvares Brandão, título que auferiu em 2/9/1603, que embora nascido em Sameice, em 1555, era filho de João Alvares Brandão e de  Catarina Alvares, ambos de Travanca de Lagos. Ficam aqui registadas estas curiosidades!

Artigo publicado na Folha do Centro em 19 dezembro de 2013

Francisco Antunes
Francisco Antunes
Só se ama aquilo que se conhece!
O nosso país é uma enorme manta de retalhos, modesta e humilde, sempre viva e surpreendente. Se dela levantarmos o “farrapito” que nos coube para viver – a Beira Serra -, este não destoa do conjunto, e é no Outono que atinge o apogeu da sua formosura: a luz, a transparência do ar, o colorido das florestas, o cristalino das águas que correm…e com um pouco mais de esforço descobriram as suas gentes e a admirável História da região.

Desçam lentamente qualquer das vias que a Serra ou da estrada Real vão ao encontro do Alva! De Vila Cova e Sandomil, passem por S. Gião, Penalva, Caldas, Sto. António, S. Sebastião, e Avô e as suas admiráveis Varandas; uma pausa em Vila Cova do Alva e sosseguem em Coja…deliciem-se com o constante movimento dos cenários deste fantástico palco.
A cascata do Alva é um permanente louvor à Natureza e um hino ao engenho do Homem. Tudo…harmonia do Belo!

Se da folhinha da História levantarmos mais um “farrapinho” do último quartel do Séc. XV, aparece-nos uma região de múltiplas carências, sem vias de comunicação, forte isolamento, insegurança nos caminhos, ausência quase total de pontes. Densa floresta cobria o território. Assaltos frequentes de ladrões, lobos e ursos obrigavam os raros viajantes a deslocarem-se sempre em grupo, viajantes constituídos por monges, frades, cobradores de impostos, alguns freires das ordens militares, todos armados pois transportavam rendas e esmolas, para conventos e mosteiros.

Contudo, na última década do seculo deram-se na Península Ibérica notáveis acontecimentos que muito abalaram as populações na sua forma de viver. O descobrimento do caminho marítimo para India em 1498, a descoberta do brasil em 1500, a expulsão dos Judeus de Espanha em 1492 e a descoberta da América em 1493. Nesta época eramos cerca de um milhão de habitantes com 98% de analfabetos…de Espanha recebemos cerca de duzentos mil “expulsos” com 40% de analfabetos…ficaram a construir quase 20% da população. Nota curiosa: em 1975 vieram de Africa 300.000 portugueses, tínhamos dez milhões…acrescentaram a população em 3%!!!

Embora D.Manuel numa lamentável medida tivesse expulsado alguns milhares de recém-chegados no interior do reino, tal não se verificou e foi esta “gente de nação” que, felizmente, deu notável impulso ao desenvolvimento da Beira Serra e a todo o interior do País.

A construção naval teve desenvolvimento explosivo com as carreiras da India e do Brasil, centenas de naus, caravelas e mais tarde, galões, foram construídas; calafates, carpinteiros, cordeiros, tecelões, ferreiros e outras profissões atulhavam os estaleiros de Lisboa. Do interior houve um fluxo migratório para o litoral que em parte foi compensado com as gentes chagadas de Espanha e a nossa Beira-Serra não faltam criadores de gado, curtidores, samarreiros, sapateiros, alfaiates, comerciantes de panos, de tripa, de especiarias, azeite, vinho e cera; almocreves e carreteiros que lhes davam o controlo dos transportes.

No território hoje está ocupado pelo nosso concelho existem interessantes marcas desse tempo em toda a ribeira d’Alva, Vila pouca, Lourosa, Bobadela, Travanca e Ervedal.
Travanca, na minha modesta opinião, detêm o mais bem conservado núcleo histórico dessa época que, embora modesto, se encontra bastante desprezado e até, lamentavelmente, mutilado.

É povoação muito antiga; já é referida em documentos de 969 e a presença de sepulturas e lagaretas bem elaboradas não deixam dúvidas que ali, antes daquela data, já se produzia vinho e azeite. A sua igreja dedicada a S. Pedro, de três naves, está datada no Séc. XI, foi modificada através dos séculos e enriquecida com belos azulejos hispano-árabes e notáveis altares barroso que denota fé, riqueza e nível social dos seus habitantes. Curiosamente as três igrejas do conselho com três naves são todas dedicadas a S. Pedro: Lourosa, Seixo e Travanca. Três templos dos mais antigos da região.

A Fonte Arcada onde desde o começo do tempo…se praticam magias, curas milagrosas, se “ergue a espinhela ou se corta o cobrão”…mas o mais interessante é que “Arcada” tem origem numa palavra grega que significa- mistério, remédio!!! Quem pôs o nome aquela misteriosa fonte?
Travanca é Histórica, Enigmática… Misteriosa. Sim, é modesta mas é merecedora de um estudo adequado e de uma proteção responsável.
É natal!
Paz, Esperança, Saúde para todos vós

Artigo elaborado por Dr. Francisco Antunes