domingo, 16 de agosto de 2015

Os Bensabat



 Uma família Judia em Travanca de Lagos



Fig.1
Em tempos, viveu em Travanca de Lagos uma família de apelido Bensabat. Pertencia a uma rica família judia Lisboeta, com residência num sumptuoso palacete, junto ao Jardim Zoológico, em Lisboa. Descendiam de judeus sefarditas alocados em Marrocos que terão regressado às origens, no inicio do séc. XIX, coincidindo com o enfraquecimento da inquisição e a sua extinção em Portugal em 1821.

A história desta família em Travanca terá começado quando Marcos Bensabat, nascido em Lisboa em 1851, de 42 anos, filho do General Marcos Moheluf Bensabat, que se destacou na política com seu pai, Levy Bensabat, na luta contra o Absolutismo de D. Miguel, casou com uma empregada da família, Maria Agripina da Silva, de 20 anos, que cedo terá ido servir para a capital, e era natural de Travanca. Ela nascera em 18/08/1873, filha de Rita de Jesus, também de Travanca. Dessa união nasceram 6 filhos, Dinah, Levy, Irene, Eurico, Marcos e Helena Bensabat.


Fig.2

Nos anos que se seguiram terão passado longos tempos em Travanca e, com esse intuito, terão construído casa entre o fim do séc. XIX e o início do séc. XX. Uma bela casa beirã, onde o granito era rei, mas curiosamente o azulejo compunha a fachada principal (fig,1). Essa peculiar característica poderá ser ainda uma reminiscência da cultura Marroquina, onde a família tinha raízes. No centro da fachada encontra-se um frontão circular com uma inscrição (fig,2), um hino à mulher, “ce que femme veut, Dieu le veut”, leia-se, o que a mulher quer, Deus o quer (isto é, a mulher exerce tal influência que consegue sempre o que deseja). Esta poderá ser uma alusão à satisfação do desejo de Maria Agripina de ter casa na sua terra natal. No centro vê-se um símbolo que se presume possa ser o selo da família, ou seja, as iniciais M e B de Marcos Bensabat.

Fig.3
Contudo, a família desapareceu de Travanca tendo sido a filha mais nova, Helena Bensabat, o último membro da família a morar na casa, nos anos 60 do séc. XX. Em meados da década de 70 a casa foi adquirida pela família Faria, que ainda a ocupa atualmente, sendo conhecida por Vivenda do Pinheiro (fig.3).

domingo, 2 de agosto de 2015

A Tuna Travanquense



A Tuna Travanquense 

contributos para a sua história



fig.1 - Estandarte da tuna Travanquense


A Tuna de Travanca de Lagos foi durante décadas, juntamente com o grupo cénico (este provavelmente de inicio mais tardio), um dos ex-líbris da aldeia. A sua criação, para além de desempoeirar o panorama cultural de então, veio animar, com certeza, os bailaricos e as festas da povoação. A sua presença impor-se-ia em cerimónias e acontecimentos solenes e seria presença assídua nas festas de São Pedro.



De cariz popular, à semelhança de muitas outras tunas da sua época cujos reportórios, segundo Francisco Vieira, representariam a mais genuína tradição musico-coriográfica da província, compondo-se de fandangos, verdegaios, chotiças, valsas, sobretudo de 2 passos, bailaricos, contradanças e corridinhos, e os seus principais instrumentos seriam o harmónio, a gaitinha, a guitarra e a flauta.


Fig.2 - Sociedade  Beneficente e Recreativa, nos anos 20



Se na sua génese terá sido constituída essencialmente por “músicos de ouvido”, com o tempo, tornou-se uma verdadeira escola de música, formando várias gerações, desde pais a filhos. A sua sede seria na Sociedade Beneficente e Recreativa, antiga Casa do Povo ("velha") (fig.2). Mas, com o passar dos anos a tuna foi perdendo o fulgor, por um lado, talvez devido aos sucessivos surtos migratórios que foram assolando a região, quer para África e Brasil, quer para a capital, por outro lado, também devido ao aparecimento de novas modas e agrupamentos musicais, como o rock-roll, grupos de baile e a chegada das aparelhagens, etc., que terão retirado à tuna espaço e protagonismo, até que desapareceu em meados dos anos 50 do séc. XX.

No entanto, ainda em meados dos anos 40, a tuna conheceu um novo impulso com a criação dum organismo denominado C.A.T., Centro de Alegria no Trabalho, da Casa do Povo de Travanca de Lagos, integrando também o grupo de teatro local, cuja direção era presidida pelo Dr. Álvaro dos Santos Madeira e secretariada por Ivo Teles Nunes Pereira (fig.3), período no qual se promoveram diversos espetáculos conjuntos com imenso êxito que, geralmente, se iniciavam com uma récita seguida de baile pela noite dentro.



Fig.3 - Casa do Povo (nova) -1944

A título de curiosidade, já no final dos anos 20, o período florescente da Tuna, em todos os aniversários que Luís Martins Borges (fig.4) celebrava em Travanca, por altura de 15 de Setembro, o grupo musical tinha por tradição tocar o seu reportório à porta de sua casa (fig.5) e o distinto senhor, um dos patronos da tuna nessa época e um grande benfeitor de Travanca, mandava-os subir e oferecia bolos e vinho.

Fig.4 - Luis Martins Borges
  
Fig.5 - Antiga casa de Luis Martins  Borges em Travanca

Após um longo período de esquecimento, só nos anos 90 a tuna voltaria a ser referida quando foi descoberto, por acaso, na casa do povo, o seu estandarte (fig.1) e uma foto antiga de conjunto, por essa altura, já era desconhecida da maioria das novas gerações (fig.6). Essa foto foi aqui publicada, em 2008, sob o título “crónicas da minha terra cap. I”, tendo-se identificado todos os elementos que a compunham e datado como sendo de 1929/30. Essa preciosa tarefa, que aliás marca o início deste blogue como o despertar para a história de Travanca, foi realizada com a ajuda dos inestimáveis irmãos Nunes Pereira, o Sr. Ivo, que com a sua prodigiosa memória muitas vezes desbloqueou as charadas históricas que foram aparecendo, e o Sr. Pereira, um homem culto e de grande lucidez, que, como foi dito então, faziam parte da tuna quando crianças, infelizmente falecidos no ano transato, contavam já mais de 95 anos.


Fig.6 - Tuna Travanquense 1929/30

Por essa altura, o Sr. Ivo revelou que houve uma 1ª fase da tuna, anos antes, no início do séc. XX, onde o pai participava e era presidente o mítico Mercês. Na ocasião, era impensável recuar na história da tuna até ao inicio do século mas, recentemente, numa recolha de fotografias antigas pude apreciar uma foto surpreendente, que poderá estar relacionada com essa 1ª tuna. Uma foto de época, belíssima, reveladora dos 1ºs passos do séc. XX em Travanca, e que aqui se edita pela 1ª vez (fig.7). Pertencia ao espólio de Teodorico da Silva Aires, também retratado na foto, estando presentemente na posse do atual presidente da junta, o Sr. António Manuel Soares, que gentilmente ma permitiu reproduzir.

Fig.7- Tuna Travanquense 1909/14


A árdua tarefa que tem sido investigar esta foto agora que, infelizmente, não podemos contar com a ajuda dos saudosos irmãos Nunes Pereira, conta com mais de um ano de pesquisa, tendo-se já identificado aproximadamente 50% dos retratados e concluído que terá sido tirada por volta de 1909/14.



No decurso da investigação foram-se conhecendo mais tunos, desta fase anterior do agrupamento musical, que não constam desta foto como, por ex., o caso de Manuel da Silva Neto (fig.9), o conhecido proprietário e negociante de Travanca do inicio do séc. XX, que tinha uma loja comercial chamada “A Nova Aurora”, com residência no 1º andar (fig. 8), existido ainda a flauta com que tocava, atualmente na posse da sua sobrinha, Dona Conceição Brito, ou ainda, o caso de António Nunes Pereira, conhecido por António Carteiro, pai do Sr. Ivo, que não parece constar na foto, e que era o responsável pela distribuição do correio em Travanca, chegando a ter os 4 filhos na tuna da geração seguinte (fig.10).



Fig.8 - Loja Comercial e residência da família Silva Neto
Fig.9 - Manuel da Silva Neto


Por outro lado, para além de reportar a tuna, esta foto permite-nos recuar no tempo, até ao final do séc. XIX, podendo contribuir assim, também, para o estudo das famílias de Travanca. Nesse sentido, identificaram-se algumas famílias que, tendo tido relevância na sua época, estão hoje desaparecidas de Travanca e são desconhecidas da população, de um modo geral. São disso exemplo a família Ayres, ou Aires, a família Ibérico Nogueira e a família dos Mercês, que na foto foram identificadas.



                                                            Fig.10 - António Nunes Pereira e família

Descodificando esta obra de arte (fig.7), destacado na foto, ao centro, de chapéu de coco e bigode retorcido, a sua figura distinta chamando a atenção, Teodorico da Silva Aires, nascido em Travanca em 1878, uma personagem com alguma relevância no seu tempo, teve a seu cargo o correio e o registo civil. Embora de profissão fosse sapateiro, ocupação que vinha de família por parte do pai e do avô, era comerciante, proprietário de uma sapataria. Foi também regedor em 1917. A casa de família era no Outeiro, junto à Morrota (fig.11).

Fig.11 - Antiga casa da família Aires  de Travanca de Lagos


À direita na foto, de guitarra ao colo e com ar de bon vivant, está Luís Ibérico Nogueira, um jovem travanquense, nascido em 1891, que talvez tenha tido influência no surgimento da tuna em Travanca, pois frequentava o seio estudantil de Coimbra, onde viria a licenciar-se em Medicina. Conta o seu sobrinho neto, José Ibérico Nogueira, que foi um boémio inveterado, guitarrista e cantor, poeta, letrista e escritor, com vários livros publicados. Participou em muitos eventos musicais, na academia de Coimbra, até ao final dos anos 20. Era um apaixonado pela música. Após concluir o curso de Medicina e casar, rumou a Valença do Minho, região de origem de sua mãe, Dona Dolores Portas.



O jovem robusto que se encontra de pé em 1º lugar, do lado oposto da foto, é o seu irmão António Ibérico Nogueira, nascido em 1883, e que na altura frequentava a Escola Militar em Lisboa. Segundo conta o seu neto, José Ibérico Nogueira, ele foi capitão de Cavalaria, tendo comandado o regimento de Cavalaria em Nelas até 1919, ocasião em que foi preso e deportado por ter aderido à chamada Revolta do Norte, tendo nessa altura proclamado a monarquia em Santar, na varanda de sua casa, com o seu filho ao colo, embrulhado numa bandeira azul e branca, a bandeira monárquica. Era, portanto, um homem de convicções fortes que lutou pelos seus ideais. Contudo, após ser amnistiado, fez a sua vida em Santar, terra onde casou, não tendo voltado a Travanca.



Fig.12 - Antiga casa da família Ibérico Nogueira de Travanca de Lagos



A história do nome desta família é bastante curiosa. Viviam na casa da atual Junta de Freguesia (fig.12) e o pai de ambos, também capitão, Francisco Augusto da Costa Nogueira casara com uma senhora espanhola, de Vigo, Dona Dolores Portas. Por essa razão, quando estava na tropa, para o diferenciarem de outros Nogueiras, deram-lhe a alcunha de Nogueira Ibérico, mas tendo achado graça ao nome, quando teve filhos, decidiu juntar esse apelido ao de sua família, trocando somente a ordem para não perder o vínculo familiar. Nasceu, assim, a família Ibérico Nogueira em Travanca de Lagos.



Também na foto, a representar a família dos Mercês, estão os irmãos Pinto de Brito, filhos dos ricos proprietários João Pinto de Brito e Dona Maria José Ribeiro da Rocha, distinta senhora, conhecida por Dona Cónega por ser irmã do Reverendo Presbítero, Arcipreste do distrito, Manuel Joaquim Ribeiro da Rocha, que fora prior em Travanca. Viviam na quinta de família, a Quinta da Via de Lagares conhecida mais tarde por quinta das Mercês, e na sua residência em Travanca, na casa das Campas (fig.13).

Fig. 13 - Antiga casa da família Pinto de  Brito de Travanca de Lagos


Assim, à direita da foto, de fatinho branco, distingue-se Augusto Pinto de Brito, proprietário nascido em 1871, que assinava Augusto das Mercês. Era o presidente da tuna e talvez o seu sustentáculo, visto ter sido um homem bastante rico. Nos anos 20, ficaram conhecidas as festas que dava na sua Quinta das Mercês. Contudo, no inicio dos anos 30, terá vendido todas as suas propriedades e rumado à região de Viseu.



Sentado do lado oposto, também empunhando uma guitarra, identifica-se Manuel Eduardo Pinto de Brito, seu irmão, nascido na quinta da Via, em Travanca, em 1873. Dele sabe-se que casou em Gouveia, no inicio do séc. XX, e que por lá terá feito a sua vida. Aqui, na foto, já estaria casado, encontrando-se, muito provavelmente, de visita a Travanca num acontecimento festivo.



Ainda se identifica na foto, sem total certeza, o 2º jovem que se encontra de pé, à esquerda, como sendo António Baeto, morador no Outeiro, e que assumia na tuna da geração seguinte a responsabilidade do porte da caixa dos papéis de música. Lamenta-se que essa caixa não tenha chegado aos nossos dias pois seria, com certeza, muito reveladora. Por fim, ao centro da imagem, a tocar harmónio, está uma pessoa que se deduz que seja o Sr. Geadas, da família dos Fogueiras, visto que, segundo consta, durante muitos anos foi ele o único a dominar esse instrumento em Travanca.


Os restantes elementos ainda não foram identificados.Fica, assim, em aberto esta pesquisa, aguardando a qualquer momento novas descobertas, esperando o contributo de todos para levar a cabo esta tarefa, que é, reconstituir a história de Travanca.