sexta-feira, 16 de março de 2018

3 - Pessoas de Travanca com história

Feliciano da Silva

Uma perspectiva da sua vida e obra



fig. 1- Feliciano da Silva em 1958, no búzio


Estando este blog destinado à pesquisa histórica, profundamente dedicado à história local de Travanca de Lagos, não pode deixar de fazer uma justa homenagem ao benemérito Feliciano da Silva que, antes de mais, sempre se empenhou na divulgação da cultura e costumes de Travanca, contribuindo com as suas crónicas no jornal, A Comarca de Arganil, entre outros periódicos, ao longo de quase meio século, sendo uma voz de Travanca no exterior. Ainda acresce o facto de que, o primeiro documento de história sobre Travanca que li não ter sido de um livro ou site de internet, mas sim um documento redigido pelo Sr. Feliciano da Silva, resultado da sua pesquisa efetuada nos anos 70, na torre do Tombo. Outros o poderão ter feito mas não com o seu espírito de partilha. Se tivesse nascido umas décadas mais à frente seria porventura, também, um bloger ou teria um site no mundo virtual dedicado à sua terra. Essa é a sua essência.

Quase a completar 88 anos de idade(fig.2), não tem parado de nos surpreender com novos projetos, sempre com grande jovialidade e uma presença simpática e de respeito em Travanca, transversal às várias gerações. Divide a sua vida e coração entre Lisboa e Travanca, onde passa longos tempos no período do verão.



fig. 2 - Feliciano da Silva em 2017

Outrora, precisamente nesses regressos à sua terra, foi o delírio das crianças do meu tempo que, quando avistavam a sua carrinha Peugeot 504, de visita a Travanca, logo corriam, fossem pobres ou não, com o intuito de receberem um brinquedo(fig.3). Segundo diz o próprio, o Pai Natal vinha mais cedo… em Agosto. O Sr. Feliciano trazia a mala cheia de brinquedos para distribuir pela criançada, pois era proprietário de um grande armazém de brinquedos, em Lisboa, e não se esquecia dos meninos da sua aldeia. Pena tinha eu, quando era criança, de nunca ter recebido um desses brinquedos, pois o mês de Agosto era tempo de praia. Andámos sempre desencontrados! Enfim, foi o regozijo das crianças nesse tempo em Travanca.




fig.3 -  Algumas crianças em Travanca aguardando pelos brinquedos, anos 70


A sua vida, contudo, não foi fácil. Nasceu a 27 de Abril de 1930 no seio de uma família de poucos recursos, numa Travanca feudal, conservadora, profundamente religiosa e pobre. Filho de mãe solteira, chamada Maria dos Prazeres da Silva((fig.4), conhecida apenas por Prazeres Malgas, irmã do, também benemérito, José da Silva Garcia que deu o nome á rua onde ambos nasceram, numa casinha de esquina pobre.

Foi criado até aos 13 anos pela mãe e pela avó, Piedade da silva (fig.5), que herdara o apelido de Malgas da família da sua mãe, Ana da Silva, e que dizem ter origem nas características de seus olhos, comparados a malgas. Foi um matriarcado de 3 gerações, sem uma figura paterna.

Teve um irmão mais velho(fig.5), de outro pai, chamado José da Silva e com o qual manteve toda a vida uma relação especial. A sua mãe era trabalhadora rural sem instrução mas, segundo diz, era uma pessoa com grande sabedoria. Do seu pai, que nunca o reconheceu como filho, não guarda rancor. A sua mãe e avó, que tratava também por mãe, eram o seu mundo…


fig. 5 - Piedade Malgas e o neto José da Silva


fig. 4 - Prazeres Malgas















Contudo, aos 13 anos, já com a 4.ª classe, fez-se à vida partindo para Lisboa, sonhando com um futuro melhor. Foi obrigado a crescer depressa e, de menino, se fez homem. À sua chegada estava o seu tio, José da Silva Garcia. O seu primeiro emprego foi de empregado de um estabelecimento comercial, uma pequena mercearia, onde também residia. Viveu e trabalhou na casa dos patrões até aos 15 anos. Embora o tratassem bem, segundo ele conta, foram tempos muito difíceis, muito duros para uma criança.

Depois dessa mercearia viria a trabalhar em mais 3 ou 4 outras. Aos 16 anos iniciou-se como caixeiro de balcão, numa mercearia no Príncipe Real,  o Pavilhão Chinês.

Aos 18 anos foi caixeiro de praça, secção de papelaria como gosta de referir, da empresa J. C. Assunção e, por fim, tornou-se vendedor. Hoje refere com graça “de aprendiz de merceeiro cheguei a caixeiro e depois fui vendedor”.

Aos 21 anos estabeleceu-se por conta própria, como armazenista, dizendo com orgulho que o fiador foi o seu patrão, que muito estimava. Tornou-se, assim, proprietário de uma pequena empresa que foi crescendo, transformando-se num grande armazenista, na Rua Inácio de Sousa.

A sua empresa, Feliciano da Silva, Lda., era um grande armazém, essencialmente de brinquedos, artigos de praia, carnaval, artigos de papelaria fina, de prendas, cartões de boas festas e postais ilustrados. Foi comissionista da firma Jerónimo Martins. Participou em feiras internacionais em Frankfurt, Milão, Valência, etc., o que lhe permitiu viajar por toda a Europa. Laborou durante 56 anos, tendo encerrado há cerca de 10. A porta do seu escritório, essa, só a fechou há um ano. Sempre acarinhou os seus empregados, sendo que alguns eram seus conterrâneos, de Travanca. Foi o caso do Sr. António Brito, já mencionado neste blog a propósito dos craques das primeiras equipas de futebol de Travanca, que trabalhou na sua firma 44 anos.




fig.6 - .Feliciano com 22 anos
  
fig.7 -  Maria Teresa , esposa  de Feliciano

























Casou aos 24 anos com a mulher da sua vida, Maria Teresa da Silva, uma “Lisboeta de gema” (fig. 7). Nessa altura, decidiu dedicar-se em absoluto à família e ao trabalho, mas sempre gostou de viajar e nunca se esqueceu da sua aldeia. Tiveram duas filhas, Cristina Marques da Silva e Ana Paula Marques da Silva, que faleceu ainda jovem, a Paulinha dos seus versos, facto que foi muito marcante na sua vida. Diz ter tido um casamento feliz de 59 anos, embora os últimos 15 com a esposa doente e dependente. Hoje, viúvo, tem uma família alargada de 5 netos e 6 bisnetos que são a sua alegria, o seu jardim florido.

Como católico devoto e membro da centenária Irmandade de São Pedro de Travanca, sendo atualmente o seu mais antigo membro, tem participado ativamente na sua paróquia natal, tendo sido com ele que a confraria recebeu em 1997 o selo branco do Vaticano, quando comemoravam o aniversário dos 365 anos de existência ininterrupta.

fig.9- Feliciano com o irmão José da Silva

fig.8 - Festas de São Pedro













Detentor de um espírito sensível e profundamente poético, começou a escrever poesia com apenas 16 anos. Até ao seu casamento participou, também, em inúmeras peças de teatro de companhias amadoras, destacando-se a Companhia de Teatro Amador da Acção Católica. Em todos os espetáculos que realizava recitava sempre versos da sua autoria (fig.10). Ainda fez figuração em cinema, mas diz com graça nunca ter aparecido em nenhum filme. Nessa época escreveu, também, uma peça de teatro intitulada “Deus Castiga” referindo, com orgulho, não ter tido qualquer reparo da censura.

fig.10 - Feliciano declamando poesia
fig.11 - declamando poesias do  seu 1.º livro














Desde então, não mais parou de "cantar e espalhar por toda a parte" as suas dores, as suas paixões e aventuras. Resumidas em livro, em jeito de homenagem, em Julho de 2007 a Câmara Municipal de Oliveira do Hospital editou as suas primeiras poesias, com o título “Amor, ternura e Fantasia” (Fig.12). Seguiram-se mais quatro livros, todos com a chancela da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital.



fig.12 - Amor, ternura e fantasia
fig.13 -Ao nosso semelhante dai um sorriso!















fig. 15 - No lançamento do seu 3.º livro



fig. 14 - 3.º livro - Amar não é só paixão













O seu segundo livro, editado em 2011, veio a chamar-se “Ao nosso semelhante dai um sorriso”, com apresentação na feira do livro em Oliveira do Hospital (fig.13), e o terceiro foi lançado em Setembro de 2013, com o título “Amar não é só paixão”, que incluiu algumas das suas crónicas do jornal “A Comarca de Arganil”, com capa de Tiago Cerveira( fig. 14 e 15).


fig. 16 - 4.º livro - O amor nunca esquece
fig.17 - No lançamento do seu 4.º livro















O quarto livro saiu em 2015 com o nome “ O amor nunca esquece”, capa também de Tiago Cerveira (fig.16), onde incluiu a sua peça de teatro criada em 1954, tendo o seu lançamento ocorrido na sede da recém-inaugurada Liga de Melhoramentos de Travanca (fig.17).


fig.18 - O seu último livro- O meu lindo jardim florido

O seu mais recente livro foi editado em 2017 e intitulado “O meu lindo Jardim Florido”(fig.18). Foi, novamente homenageado, em 16 de Julho de 2017, desta vez pela Junta de Freguesia de Travanca de Lagos, representada pelo seu presidente, o sr. António Soares, que lhe ofereceu uma placa alusiva ao momento (fig. 20), e pela Irmandade de São Pedro, representada pelo juiz da irmandade, sr. Tomás Pedro, tendo-lhe sido oferecida uma imagem do santo padroeiro, com uma dedicatória (fig. 19).


fig. 20
fig. 19 

Todos os seus livros têm um fio condutor que os liga, a simplicidade, a sinceridade, o amor pela família, pelos amigos e por Travanca. São uma autobiografia, o espelho da sua dor e paixão. É um trovador de Travanca. A escrita é a sua voz e com ela tem sabido difundir a cultura e os costumes de Travanca e homenagear as figuras marcantes do seu tempo.

Viva o Sr. Feliciano da Silva!




4 comentários:

  1. Extraordinária biografia. Conhecendo-o eu praticamente desde sempre, ou seja, há 56 anos, por acamaradar em amizade fraterna com a Paulinha, uma mana que infelizmente perdi, falta apenas acrescentar uma característica do seu temperamento. A boa disposição e sentido crítico acompanham-no sempre e através do seu humor, e também humanismo, olham-se as pessoas e as situações desagradáveis de uma outra forma. Talvez seja a sua alegria que mantém a energia e dinamismo que sempre apresenta. Beijinho Sr. Silva

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  2. Homenagem a um Senhor e grande Amigo

    São Domingos de Benfica, é uma zona de Lisboa onde na rua Carlos Pereira, perto da linha do comboio, se situava um pequeno armazém de brinquedos, cujo proprietário, numa manhã de trabalho que decorria com normalidade, reparou numa criança que passava, e que terá despertado a sua atenção, pelas vestes que trazia, pelo seu semblante no qual se notava um olhar triste, característico de uma vida cheia de carência afectiva e dos mais elementares bens essenciais, tais como vestuário e asseio.
    Residente do outro lado da linha do comboio, a umas dezenas de metros do armazém, aquela criança criada sem berço, procurava fora do ambiente familiar, o convívio com quem passava, e num rasgo solidário, Feliciano da Silva, natural de Travanca de Lagos, um concelho de Oliveira do Hospital, incumbiu uma sua funcionária de acompanhar aquela criança, a uma loja de vestuário, e oferecer roupa nas devidas condições, e com a clara intenção de fazer com que o mesmo se sentisse mais confortável, e olhado como um ser humano, situação que não terá sido vista com bons olhos pelo seu progenitor, talvez por sentir que eram outros a fazer o que lhe competia.
    O Sr. Feliciano da Silva, foi uma das pessoas que intervieram na débil situação de uma criança, quando a sua condição física de jovem adolescente, como consequência de dois graves atropelamentos, um ambiente familiar nada acolhedor, bem como a dificuldade em arranjar trabalho, o faziam pegar numa caixa de engraxar sapatos, colocando-se junto aos cafés da área, procurando com esta actividade ganhar algum dinheiro para fazer face ás suas necessidades.
    O Sr. Feliciano da Silva, mais uma vez apercebendo-se das fragilidades daquele ser humano, instruiu os responsáveis de uma pastelaria, para que todas as manhãs, o Américo pudesse tomar o seu pequeno-almoço, em que aquele amigo se responsabilizava pelo pagamento.
    No meu percurso, que envolve um atropelamento por um comboio quando ainda tinha quatro anos de idade, um ambiente familiar nada propício ao crescimento saudável de uma criança, e as enormes dificuldades de aprendizagem na escola, as quais são o resultado dos traumas de infância, a existência de pessoas, gestos e palavras, fazem toda a diferença no rumo das nossas vidas, por isso jamais esquecerei aqueles que foram os pilares da minha educação, contribuindo para que face às circunstâncias, evitar que eu viesse a trilhar caminhos pouco dignos.

    Muito obrigado Amigo e Senhor Feliciano da Silva

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  3. Mostra o Senhor de bom coração que é!

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