terça-feira, 9 de outubro de 2018

5 - Pessoas de Travanca com História



Luís Martins Borges
- Um Homem determinado



Fig. 1- Luis Martins Borges


Luís Martins Borges nasceu no séc. XIX e viveu até ao 1º terço do séc. XX. Tendo sido uma figura destacada de Travanca de Lagos, terra onde nasceu em 15/09/1854, veio a falecer, de forma inesperada, no Rio de Janeiro com 78 anos.

Luís Martins Borges era filho de proprietários rurais, bem implantados no tecido social de Travanca, Manuel Martins Borges e Ana Maria de Jesus, ele de Travanca e ela de Negrelos, terra de onde também eram naturais os seus avós maternos, proprietários locais, chamados Manuel Ferrão e Angélica Maria. Os seus avós paternos eram de Andorinha, chamavam-se Manuel Martins e Maria Borges.

Contemporâneo de Basílio Freire, curiosamente foi o pai deste, Luís Augusto da Costa Freire, e a sua tia, Dona Josefa Soares da Costa Freire que foi considerada Santa assim eram as suas virtudes, foram padrinhos de batismo de Luís Martins Borges.










Fig.2 – Casa de Manuel Martins Borges                                                                            Fig.3 – Vista lateral

Os seus Pais casaram em 24/01/1850 e estabeleceram-se no coração de Travanca, por detrás da igreja Matriz, numa casa em estilo vernacular de grande envergadura (Fig.2). Viriam a ter 4 filhos. Luís Martins Borges, a sua irmã Ana De Jesus Martins Borges, que mais tarde viria a casar com José Mendes derivando para a família Borges Diniz, Maria da Conceição, que veio a falecer solteira, e António que faleceu novo, com apenas 24 anos, em 1883. 


Para infortúnio da família a mãe, Ana Maria de Jesus, faleceu muito nova com apenas 38 anos, em 1865, ficando Luís Martins Borges, com apenas 11 anos, órfão de mãe juntamente com os seus três irmãos. 

Volvidos cerca de 3 anos o seu pai viria a casar novamente, em 23/04/1867, com aquela que, até então, fora a criada de servir da casa, Inácia Teresa da Costa, natural de Gavinhos de Cima. Tinha o seu pai 45 anos e a futura madrasta 35 anos. Esse facto terá sido determinante no futuro do núcleo familiar. 

Aos 16 anos, determinado, Luís Martins Borges recorre a um Juiz de Paz alegando maus-tratos da madrasta e uma vida insustentável com o pai, o qual responde favoravelmente dando-lhe razão e permitindo que se fizessem as partilhas pela morte de sua mãe. Iria viver com os irmãos para uma casa ao lado embora, pela sua parte, tenha sido por pouco tempo. Com 18 anos vende os seus bens e emigra para o Brasil. 

O seu pai viria a aumentar a descendência, agora com Inácia Teresa da Costa. Em 1870 morre, com 7 meses, um menino chamado Eduardo. Tiveram ainda mais 3 filhos, Abílio Martins Borges, Pai do “Zé Grande”, também conhecido por Zé do Abílio, Francisco e Joaquim Martins Borges, conhecido como Ferrador. 

É no Brasil que a vida e a sorte de Luís Martins Borges mudam. Conhece a sua futura esposa, uma jovem chamada Leonor Marques Pires Vaz, natural do Engenho Velho, Rio de Janeiro, filha de um Oficial da Marinha, José Ferreira Vaz, e de Bernardina Marques Pires Vaz que, por sua vez, era filha de um riquíssimo Fazendeiro, também ele Oficial da Marinha, que terá ido para o brasil com a Corte de D. João VI, em 1807. 

Esse riquíssimo Fazendeiro, que se instalara no Rio de Janeiro no início do séc. XIX, casara com uma jovem de ascendência alemã, Valquíria de seu nome, com a qual tivera 2 filhos. Bernardina e um outro que morreu no parto. Criaram uma grande fortuna como fazendeiros de café, sendo também proprietários de uma companhia de navegação, a Fidelenses. A filha, Bernardina Marques Pires, casou com um oficial da marinha, José Ferreira Vaz, com o qual viria a ter 13 filhos, sendo Leonor a filha mais velha que veio a casar com Luís Martins Borges.

Fig.4 – LMB com cerca de 40 anos


Casam por volta do ano de 1888, ele com cerca de 34 anos e ela com apenas 16 anos. Juntos tiveram 8 filhos, infelizmente Leonor acabou por morrer prematuramente e de uma forma arrastada, com Tuberculose, curiosamente com a mesma idade com que morrera a mãe de Luís Martins Borges, 38 anos. Além da mulher, teve ainda o infortúnio de ver morrer 6 dos seus 8 filhos, 2 com 5 ou 6 anos e 2 com aproximadamente 29 anos, vítimas de Pneumónica, tendo estes últimos deixado 3 filhos cada um. Sobreviveu o seu filho Osvaldo, que se tornou médico e fez carreira no Brasil, e a sua filha Olímpia, que ele fez questão de batizar em Travanca de Lagos, em 17/9/1895. Foram seus padrinhos os senhores da Quinta das Hortas, D. Amélia Soares de Albergaria e José de Campos Freire.


 Proprietário abastado instalado no Rio de Janeiro na Boulevard 170, avenida onde possuía imensos prédios, vivia dos negócios e dos seus rendimentos. Vinha a Travanca frequentemente, onde passava longos tempos com a família, sempre acompanhado da sua neta Elsa, que ficara órfã e ao seu cuidado e que mais tarde viria a casar com o Dr. Álvaro dos Santos Madeira, médico e benemérito de Travanca, já aqui referenciado num artigo.









Fig. 5- Entroncamento, com a casa de LMB ao fundo. Foto 1920                                                                                   Fig.6-Antiga casa de LMB ( foto atual)

Em 1915, já viúvo de Leonor, Luís Martins Borges inaugura a sua casa do Entroncamento, cheia de opulência e ao gosto colonial (fig.5 e 6). Tivera o seu 2º casamento, cerca de 3 anos antes, com D. Augusta Guimarães, uma Brasileira de 50 e poucos anos, já viúva e sem filhos. Ele teria cerca de 58 anos. Juntos viveriam cerca de 20 anos.


Fig. 7 - Luís Dinis Rodrigues, cerca de 1920

Em 1923 a sua filha Olímpia casa, em Travanca de Lagos, com Luís Dinis Rodrigues (Fig.7), um jovem Capitão de Engenharia recém-chegado da 1ª Grande Guerra, onde estivera incorporado no CEP - por Lisboa, terra onde vivia. Os seus pais moravam no Entroncamento, tal como a família Borges. Em Travanca, era conhecido por Capitão Rodrigues. 


É, sobretudo, a partir da década de 20 que ele desenvolve a sua ação filantrópica e de beneficência em Travanca de Lagos. Tal como ficou registado num artigo anterior intitulado A Capela de S.tº António, Luís Martins Borges patrocinou, por volta de 1923, a reconstrução e beneficiação da dita capela, de cujo orago ele era um grande devoto. Como católico praticante, integra a centenária Irmandade de S. Pedro exercendo o cargo de mordomo efetivo no ano de 1923/24 e assumindo, em 1924/25, o cargo de Juiz, embora a título honorífico visto que passava muito tempo no Brasil, sobretudo no período do verão.



 Fig. 8 - LMB e família na antiga casa paroquial de Travanca cerca de 1920 





  Fig. 9 – A Irmandade num cortejo de São Pedro , cerca de 1920

A sua neta, D. Leonor Borges Rodrigues, cujo pai, Capitão Rodrigues, fez questão que nascesse em Travanca, tal era também a sua paixão pela Terra, ainda conviveu com o avô na sua infância. Ela conta um episódio que a deixava um pouco constrangida e que retrata, de certa maneira, o tecido social de Travanca desse tempo. Quando ia à missa, a sua família e também a família Antunes Vaz da Quinta do Covelo, professores primários de Travanca e amigos da família, tinham sempre o seu lugar marcado, destacado nos bancos da ala direita, ala onde mais ninguém se sentava. À frente da ala esquerda, sentavam-se os homens e só no fim, nas últimas filas dessa ala, se sentavam as mulheres, que não se misturavam, mostrando uma terra ainda muito atrasada e feudal.

Fig. 10 – Foto extraída de uma notícia de um jornal local de 1929


Luís Martins Borges era um grande entusiasta da Tuna de Travanca, talvez por influência da sua vivência por terras de Vera Cruz. Acompanhava-a assiduamente e seria um dos seus principais financiadores na época. Cerca de 1929 acompanha-a ao Ervedal da Beira, por ocasião das festas a Nossa Sr.ª da Boa Viagem, onde a Tuna participa num concurso, vindo a obter o 1º prémio (fig.10). Como ficou registado num artigo anterior, em A Tuna de Travanca de Lagos, no dia do seu aniversário, festejado a 15 de Setembro, sempre que este era passado em Travanca a Tuna vinha tocar à sua porta, presenteando-o com músicas a seu gosto, e era convidada, então, a subir sendo bem recebida com bolos e vinho.

Fig.11 – Lavadouro público do Lameiro (bastante degradado atualmente)


Nesse período, promove e financia a construção do 1º lavadouro público em Travanca, situado no Lameiro. Até então, as mulheres lavavam a roupa no rio com os pés dentro de água, quer fosse verão ou inverno. Promove, ainda, uma escola noturna para adultos, tal seria o índice de analfabetismo naquele tempo. Oferece, também, um órgão para a igreja que já não iria ouvir tocar pois viria a falecer inesperadamente no Rio de Janeiro, em 1932, vítima de uma queda em circunstâncias muito suspeitas. 

Segundo consta, terá morrido devido a uma pancada na cabeça, num cenário muito suspeito e mal esclarecido. Faleceu precisamente quando se preparava para fazer o seu testamento onde, naturalmente, iria salvaguardar os filhos e os netos do seu primeiro casamento, distribuindo a sua grande fortuna. Tal não aconteceu, tendo a esposa herdado metade de tudo quanto possuía e que viria mais tarde a deixar a um sobrinho. 

















Fig. 12 - Rua Luis Martins Borges                                                     Fig. 13- Placa com o nome da rua



Em 25 de Setembro de 1966, a população de Travanca de Lagos homenageou Luís Martins Borges com a atribuição do seu nome a uma rua, precisamente junto à sua antiga casa, uma iniciativa promovida por algumas figuras de Travanca, especialmente José da Silva Garcia, presidente da Liga de Melhoramentos e pelo presidente da Junta, António de Brito Tavares. (fig. 12, 13 e 14) 


Luís Martins Borges foi um homem muito respeitado em Travanca. Teve uma vida plena e afortunada e ao mesmo tempo trágica, marcada pelas mortes prematuras da mãe, mulher e filhos e com a sua própria morte, de certa forma, também ensombrada. Mas, acima de tudo, foi um homem determinado, com uma grande força e vontade de viver, que soube sempre contornar os contratempos da vida e que muito contribuiu com o seu espírito, e também com a sua fortuna, para o bem-estar das gentes de Travanca de Lagos, pelo que deve ser reconhecido e recordado pelas gentes desta terra que tanto amou.



Fig. 14 - Recorte da notícia do Jornal A Comarca de Arganil, 1966