domingo, 31 de janeiro de 2021

Quintas e lugares de Travanca de Lagos

 


Quinta da Sarnadela




A quinta da Sarnadela é uma propriedade com uma beleza singular, envolta numa magnífica paisagem com vista para a Serra do Caramulo e da Estrela, situada num planalto que se estende pela vertente Este de Travanca de Lagos e confinando com Andorinha, referida desde os meados do séc. XIX nos registos disponíveis, outrora residência da família Sousa Figueiredo. Embora existam mais casas no lugar da Sarnadela, como é exemplo disso a antiga casa da família Pinto Ribeiro, residência do maestro da tuna de Travanca até aos anos 40 do séc. passado, a casa principal do sítio, também pelo seu porte e traça, parece ter sido a casa da família Sousa Figueiredo que tomou o nome do lugar. Atualmente a quinta é propriedade da família Crawford que a usa como casa de veraneio no entanto é ainda cuidada por caseiros que a mantêm limpa e de alguma forma produtiva.




A história que se conhece da quinta confunde-se com a própria história da família Sousa Figueiredo, mencionada nos registos paroquiais de Travanca de Lagos. Particularmente António Joaquim de Sousa Figueiredo, uma reputada figura do seu tempo que nela viveu algum tempo e por lá veio a falecer.Em 1866 há registos que confirmam que António Joaquim de Paiva, natural de Andorinha e sua mulher Dona Maria Dulcinia de Sousa já viviam na Sarnadela, a propósito do nascimento de um neto chamado Luís, de sua filha Maria Amália. Muito provavelmente foram os construtores do solar que ainda hoje mantem a traça original. Por parte de António Joaquim de Paiva, ele era filho de Manuel Antunes Correia, natural de Andorinha e de Luísa Maria de Paiva, natural de Vila do Mato e por parte de Dona Maria Dulcinia de Sousa, era filha de José de Sousa Madeira, da Bobadela e de Dona Antónia Margarida Cândida de Figueiredo, da Cerdeira. Dos 10 filhos, há registo de 8 deste casamento e todos nasceram nos Lenteiros, andorinha, freguesia de Travanca de Lagos. Joaquim, batizado em 5/5/ 1850, Alfredo em 14/11/1854 e falecido na Sarnadela em 1897 com 43 anos, Maria Augusta em 15/11/1860. Ainda tiveram Maria Amália, Emília, José Joaquim, Antonino e particularmente o António Joaquim de Sousa Figueiredo, prezado médico do seu tempo, nascido em 22/2/1848, também nos Lenteiros, Andorinha, e batizado da igreja paroquial de travanca de lagos em 5/3/1848 mas que viria a falecer prematuramente com 67 anos, em 20/5/1915, vitima de doença prolongada.




O Dr. António Joaquim de Sousa Figueiredo foi médico pelo partido municipal de Arganil, onde viveu praticamente toda a sua vida adulta. Fez os seus estudos preparatórios no liceu de Coimbra e licenciou-se pela Escola Médica no Porto. Apesar de nunca casar, teve uma filha, Dona Maria Lucinda de Sousa Figueiredo, nascida em Arganil em 6/1/1893, que veio a perfilhar e instituir como sua herdeira universal no seu testamento. Quando se aposentou por doença em 1907, escolheu precisamente recolher-se na quinta da família, a Quinta da Sarnadela, para viver os que viriam a ser os seus 8 últimos anos de vida.

Foi um homem muito considerado no seu tempo e dele se dizia que tinha feito da Medicina um sacerdócio, tinha o segredo das grandes curas. “A sua palavra doce e comovida, à beira do leito onde o enfermo agonizava, tinha o que quer que fosse de profético e messiânico…curava, como o Rabi da Judeia, quase pela simples imposição das suas mãos, ou pela ternura bendita das suas palavras” assim vem descrito na comarca de Arganil, a propósito da sua precoce mas esperada morte. Segundo a mesma fonte dizia-se que curava e esmolava, “apóstolo do bem, não medicava só o corpo do paciente, ou sarava as feridas do enfermo, atenuava-lhe também a miséria, a carência de meios, dando-lhes recursos materiais de que o via desprovido. Pode dizer-se que o médico pagava para curar, que debelava o sofrimento físico e espancava a miséria dos lares sem recursos apenas para satisfazer as exigências do seu coração, da sua alma repleta de bondade e ternura.”

No tempo da grande epidemia de Tifo que assolou a época na povoação de Sarzedo e também a epidemia de varíola que tão grandes estragos produziu no Piódão, deu ao Dr. Figueiredo uma evidência honrosa que, embora a elevada mortalidade registada, deu ao ilustre médico um lugar distinto entre os médicos higienistas, pelo emprego de medidas profiláticas que levou a cabo com energia e pelo zelo invulgar com que as combateu, arrancando dezenas de vítimas a uma morte quase certa. Era portanto muito estimado em Arganil. Além de bom médico era muito espirituoso. Assim vem descrito o patriarca bíblico de longas barbas, o homem bom que veio a este mundo cumprir uma missão sacratíssima.

Embora tenha nascido na freguesia de Travanca de Lagos, concelho de oliveira do Hospital, tinha muitos parentes no concelho de Arganil. Era sobrinho bisneto do célebre José Anastácio de Figueiredo Ribeiro, sendo portanto primo de todos os Figueiredos da Cerdeira. Em Folques também tinha parentes, como o Dr. Ventura da Câmara ou o padre José da Costa Ventura que lhe dedicou num soneto uma sentida homenagem:


Perfil

Caráter impoluto, imaculado,

Alma feita de luz resplandecente.

À virtude e à ciência como um crente

Rende o peito dum culto sublimado:

 

Modesto e bom, de todos respeitado,

Coração generoso e condolente,

É bom vê-lo à cabeceira dum doente

Como pai carinhoso e desvelado.

 

Duma crítica justa, calma e fria,

Quando lhe surge em frente a vilania,

Tem assomos de santa indignação.

 

É médico distinto. Em Arganil

Quem não dirá ao ver este perfil:

É o Doutor, um nobre coração?


Referências bibliográficas:

- A comarca de Arganil, ano XV, nº 738, 27 Maio de 1915

- José Caldeira, Quem foi António José de Sousa Figueiredo, doc. da CMA