domingo, 14 de março de 2021

Travanca na pré-história


 Travanca de Lagos

da pré-história ao período romano.

fig.1 - Mata do Búsio



Travanca de montes e vales, de pinhais fartos, de lindos e majestosos pinheiros mansos que crescem entre penedos de granito e fazem recintos de lazer para deleite de todos, como é disso exemplo a Mata do Búzio (fig.1), cartão-de-visita da nossa Terra, deixou de existir, por alguns anos ainda, devido à devastação do terrível incendio de outubro de 2017. Agora a  mancha verde deu lugar a uma paisagem pedregosa, bela também, muito característica da nossa região e que nos remete para o período glaciar. Montes áridos, vales profundos, enormes pedras de granito soltas pelas encostas, algumas num equilíbrio perfeito, quase que parecendo plantadas pela ação do Homem são, no entanto, blocos erráticos, produtos da erosão glaciária. Voltámos por isso a um quadro pintado com uma paisagem pré-histórica, um recuo de milhares de anos.(Fig. 2)

Fig. 2 

Foi durante  a Era Geológica do Quaternário, na Glaciação Pleistocénica,  que ocorreu a maior parte do processo de hominização. Segundo a paleontologia, foi na  última fase glaciária, conhecida como de  Würm, durante o paleolítico superior, de 35 a 20 mil anos a.c., que o Homem moderno, ou de Cro-magnon, entrou na europa. De acordo com alguns autores, a sua entrada no atual território português terá sido um pouco mais tardia, entre os 28 mil e 21 mil anos a.c. . O pico máximo do último glaciar foi há cerca de 18 mil anos e estudos mostram que terá havido uma queda na temperatura média anual de cerca de 10ºc neste território. A Serra da Estrela teria gelo permanente a 1650 metros. À sua volta os terrenos mantinham-se gelados e eram erodidos em consequência da alternância do gelo e do degelo.

Fig. 3 - Ilustração de Diana Duarte


Atualmente ainda decorre a última glaciação mas estamos numa fase interglaciar. A temperatura começou a aumentar há 16 mil anos, ou seja," se o território português fosse uma posta de pescada congelada, foi nessa altura que o retiraram do congelador" (in Portugal nos últimos 10 mil anos),(fig.3). Os vales profundos dos rios eram corredores sem gelo, como seria o Cobral, o Seia e o Mondego, onde se alimentavam da vegetação, a cabra-montês, o cavalo selvagem, o veado e o auroque. À cerca de 10 mil anos atrás,  à medida que recuam as coníferas para a montanha, avançam as áreas de floresta, com bosques de carvalho, azinheiras e sobreiros acompanhadas pelo castor-europeu, pelo corço e pelo javali e o coelho bravo.

Fig.4

Fig.5


O Homem de Neandertal perfeitamente adaptado ao clima rígido e extremamente frio da europa, estava instalado desde o fim do paleolítico inferior. Passou por três glaciações, Mindel, Riss e o início de Würm, e tantos outros períodos interglaciares, quando abundavam o Mamute, as renas e o rinoceronte-lanudo na nossa região, e extinguiu-se há 28 a 35 mil anos atrás, ainda envolto em mistério, mas com vários milhares de anos em comum convívio com o Homem moderno, Homo Sapiens Sapiens. O menino de Lapedo é um exemplo paradigmático, um esqueleto de uma criança de 4 ou 5 anos, com cerca de 25 mil anos, descoberto perto de umas grutas no Lapedo,  concelho de Leiria, e que mostra ser um cruzamento de espécies entre o Homo de Neandertal e o Homo Sapiens. Parece que a Península Ibérica, e Portugal em particular, foi o último reduto do Homem de Neandertal no mundo. As teorias mais recentes apontam como uma Pandemia a causa mais provável de extinção desta espécie tão bem adaptada ao frio, doenças adquiridas por provável contágio com a espécie Humana. Outra teoria é que no cruzamento com o Homem Moderno, o Neandertal, foi perdendo a corrida da genética. Contudo, sabe-se que o ADN da nossa espécie, de origem não africana,  tem cerca de 2%  de Neandertal. Quem sabe se estes primos do passado não poderiam ter andado por terras de Travanca de Lagos, caçadores nómadas, vivendo em abrigos e grutas, tinham  nos grandes penedos de granito um abrigo possível, como é exemplo disso, As casinhas do Diabo, no Búzio, (Fig. 6), entre muitos outros locais no nosso concelho.

História

  Pré-história

Idade
da Pedra

Paleolítico

2.5 milhões - 10.000 a.C.

Mesolítico

13.000 - 9.000 a.C.

Neolítico

5.000 - 3.000 a.C.

Idade dos Metais

Idade do Cobre

3.300 - 1.200 a.C.

Idade do Bronze

3.300 - 700 a.C.

Idade do Ferro

1.200 a.C. - 1.000


O Homem Moderno, começou a dar os primeiros passos na Europa gelada no  Paleolítico Superior, dominada pelos Neandertais adaptados há milénios. Com o aquecimento global, no Haloceno, foram sendo criadas as condições para a sua fixação, deixando de ser apenas nómada. Deu-se então a denominada revolução Neolítica, o Homem passou progressivamente de recolector para a agricultura, fixou-se em povoados que tinham por base uma economia produtora e consequentemente um maior controle nas fontes de  alimento. 

Fig.6 - Casinhas do Diabo, Mata do Búsio


Os primeiros povos Homo Sapiens a existirem na península crê -se que tenham sido os Iberos, vindos do Norte de África e Médio Oriente. Existem vestígios muito relevantes da sua presença gravada nas margens do rio Coa, por exemplo.  Por volta de 7 mil a.c., aparece a  cultura  megalítica na europa, como são exemplo disso, as Antas, os Dólmens, cromeleques e menires e também a cultura da cerâmica cardial  (decoração cerâmica impressa com conchas de berbigão). Na  Ora Marítima de Avieno, no séc. IV d.c., vem referência a um povo de agricultores pacíficos, os Estrímnios, como sendo o povo mais antigo dos Iberos. Posteriormente teriam sido dominados pelos Ofis ou Sefes, um povo guerreiro que entrou na península vindo de leste, guiado pela sua Deusa da serpente, Ofiusa.  Cerca de 3 mil a 1900 anos a.c. inicia-se outra revolução,  o período Calcolítico, ou idade do cobre, e  seriam estes Iberos que habitavam a nossa região nessa época.

Fig. 7 
Fig. 8














Houve neste período um grande desenvolvimento da  cultura megalítica, com as suas práticas funerárias associadas, havendo registo e evidência disso no nosso concelho  como, é exemplo, o Dólmen ou Anta da Bobadela, ou Pinheiro dos Abraços, também Pinhal da Coitena, que foi  descoberto e explorado  em 1966 pelo arqueólogo João Castro Nunes e colaboradora V. Leisner, e mais tarde, estudada por  H. Shubart, também por Senna-Martinez (fig.7). Ainda temos exemplo da Anta da Sobreda, ou Curral dos mouros da Sobreda, o Dólmen do  Seixo da Beira, ou Arcaínha do Seixo, estes explorados por Santos Rocha em 1899 e reescavado por Castro Nunes na década de 60 e ainda, a Anta da Cavada no Ervedal da Beira.
Fig. 9 - Anta da Arcaínha

Fig.10 - Anta da Cavada


Fig. 11 - Anta da Bobadela

Fig. 12 - Anta da Sobreda


Há autores que as datam do Neolítico final, cerca de 4 mil  anos a.c., com posteriores e sucessivas utilizações no período calcolítico e idade do bronze. Na Anta da Bobadela foi  encontrado um vasto espólio de materiais líticos, como centenas de pontas de seta, lâminas, machados, enxós,  e contas de colar. ( fig. 16, 17, 18) Também cerâmicos, nomeadamente cerâmica Campaniforme que, junto com uma ponta de seta em cobre, remetem para a idade do Calcolítico (fig.8, 14, 15) e ainda, por exemplo cerâmicas de vasos tronco-cónicos  invertidos e de carena baixa (Fig.13 e 15) que a remetem para a Idade do Bronze, o que mostra a reutilização por parte dos diferentes povos ao longo das várias Eras. Atualmente o espólio das escavações, que se encontrava exposto  dentro da CM de Arganil, no museu regional de Arqueologia de Arganil, criado por Castro Nunes em 1981, faz parte hoje do acervo do recém criado museu  Regional de Arqueologia e etnografia de Arganil, no edifício da Casa Municipal da Cultura mas está simplesmente depositado. Após algumas diligencias foi-me permitido fotografar parte  do espólio da Anta da Bobadela. (não faria sentido estar exposto no museu da Bobadela?)

Fig. 13

Fig. 14
No Calcolítico aparece a invenção da roda, a roda de oleiro, a utilização da força animal para transporte e a domesticação do cavalo que contribuíram para o comércio a longas distâncias e leva a grandes transformações culturais e sociais. Favoreceu o aparecimento e florescimento dos primeiros povoados, a procura e competição pelas melhores terras, consequentemente a necessidade de defesa com a construção de fortificações e o aparecimento de novas armas como, é exemplo, o arco e flecha. No sudoeste ibérico afloram os chapéus-de-ferro ou gossans ( fig.21), ricos em cobre, ouro e prata, acessíveis a uma metalurgia primitiva.

Fig.15 -    Cerâmica Campaniforme(sup. esq)  e cerâmica  de vaso tronco-cónica invertido e de Carena baixa                       Fig.16 - Pontas de seta e lâminas de Sílex  


Fig. 17 - Machados, enxós e cunhas                           Fig. 18 - Foice do Neolítico ( imagem sup. proveniência Museu de Loures) e Elementos de foice em sílex (Bobadela)

Fig. 19 - Contas de colar.                                                 Fig. 20 - Mó Manual do Neolítico (sup.) e nucleo de cristal de quartzo eliane usado para fazer lascas votivas

Segue-se a Idade do Bronze, de 1800 a 700 anos a.c., período em que se desenvolveu esta liga metálica que resulta da mistura do cobre com estanho, conferindo ao metal maior dureza, anteriormente forjado de uma forma natural. Na Sobreda, Seixo da Beira, a exploração de cassiterite, minério rico em estanho, já era do conhecimento dos romanos, onde recentemente foi descoberta uma fundição dessa época. A exploração seria mais antiga com certeza. É o período de aparecimento das grandes civilizações no Próximo Oriente, como os Sumérios, os Assírios, a Babilónia ou o Antigo Egipto. Por cá, embora mais tardio também houve um grande desenvolvimento comercial, tecnológico e social com o aparecimento da estratificação e complexidade social.

Fig. 21
Fig - 22 Idade do Bronze


A época seguinte, denominada de Idade do Ferro, compreende o período entre 700 a.c. até ao período romano, caracteriza-se pelo início da metalurgia do ferro, um metal com vantagens sobre o bronze dada a sua maior dureza e abundancia de jazidas. É um período de trocas culturais e comerciais intensas. A norte e centro pela influência Celta e cultura de Hallstatt e a sul pela influência fenícia, grega e de Cartágo. Na nossa região desse intercâmbio e domínio Celta, resultou um povo mestiço Celtibero conhecido pelos romanos como povo Lusitano.

Fig. 23 - Monumento a Viriato e aos Lusitanos , Viseu.


Portanto, na Idade do Ferro até à presença e domínio romano na nossa região fomos, por terras de Travanca, também, um povo Lusitano com a sua cultura Castreja. Ainda não foram identificados castros ou outros elementos característicos da sua cultura em Travanca mas, no concelho abundam vestígios. Segundo Alarcão os Lusitanos não seriam um povo homogéneo, antes um conjunto de populações com pontos comuns, com as divindades Bandus, Nabia e Reve, também comuns aos Galaicos e também Arentius/Arentia, Quangeius e Trebarunis, divindades comuns a todas as populações lusitanas mas de territórios diversos. Para a cidade da Bobadela, a qual ainda não se conhece o nome romano ou lusitano, Alarcão atribui-lhe a Elbocoris de Plínio e o seu povo os Elbocori. (Alarcão, 1990b, p. 378). Assim sendo, e dada a proximidade de Travanca com a Bobadela, segundo Alarcão, na Idade do Ferro, os Travanquenses teriam sido Lusitanos Elbocoris.



Referencias:

REVISTA DO CENTRO DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA volume 4-1982

 J. C. Senna-Martínez, REVISTA DA  UNIARCH - Unidade de Arqueologia do Centro de História da Universidade de Lisboa (Instituto Nacional de Investigação Científica), vol. 1, 1983-84, Contribuições para uma tipologia da olaria do megalitismo das Beiras: olaria da Idade do Bronze .

JORGE DE ALARCÃO, REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia . volume 4. número 2. 2001, Novas perspectivas sobre os Lusitanos (e outros mundos)

Mauricio P. Munoz, Viriato - A luta pela liberdade.

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