terça-feira, 12 de outubro de 2021

A Igreja Matriz de Travanca de Lagos

 


Fig.1 – Igreja paroquial de Travanca de Lagos

A Igreja Matriz de Travanca de Lagos, conhecida noutros tempos como Igreja de São Pedro de Travanca, é uma igreja paroquial que tem acompanhado o seu povo ao longo da sua longa existência.

Classificada como Imóvel de Interesse Público desde 1960, pelo decreto nº43073, DG, i Série, nº 162, de 14-07-1960 (fig.2), foi já sujeita a diversas obras de restauro e de melhoramentos ao longo dos seus vários séculos de história. As duas últimas grandes intervenções terão sido, uma, em 1898 patrocinada pelo travanquense Coronel António Rodrigues Nogueira (fig.3) e, a outra, em 1973 custeada em grande parte pelo comendador António da Costa Carvalho (ver artigo Anterior, 2 - Pessoas de travanca com história - Comendador António da Costa Carvalho) e restaurada sob orientação da DGEMN.

Fiz.2 –DR I Série- nº 162 , Classificação        Fig.3 – Painel de azulejo no Batistério 




A sua origem crê- se pré nacional, primeiro, a julgar pelas sepulturas antropomórficas esculpidas no granito encontradas à sua volta, atualmente tapadas, que denotam um lugar de culto mais ancestral, (ver post. anterior: II - Época Alto-Medieval-Sepulturas Escavadas na Rocha) ” Em relação à associação entre o espaço funerário e o religioso, Travanca também é referido como um exemplo precoce dessa prática, contudo só no final da Alta Idade Média se observa a emergência dos Lugares e do Binómio Necrópole/Templo. A Igreja de Travanca construída junto ao espaço funerário mostra uma continuidade e ao mesmo tempo uma transição para a modernidade. Realce-se que esse mesmo espaço de enterramentos da Alta Idade Média se manteve para a mesma prática funerária, agora de cariz cristão, até meados do séc. XVIII, pois mais não é do que o Adro da Igreja, hoje assinalado por um cruzeiro construído nos primeiros quarteis do séc. XX.”, e, segundo, pela proximidade que dista da igreja Moçarabe de Lourosa, ambas a partilharem o mesmo orago ,o apóstolo de São Pedro, que denota uma relação e antiguidade.

No séc. XVI terá sido sujeita a um dos seus maiores investimentos e melhoramentos, pois remetem para o período Manuelino a datação do seu púlpito e do arco cruzeiro, com arco e fustes torsas, que dá acesso à capela-mor, embora pelo ornamento do arco pareça mais antigo, talvez moçárabe. (fig.6 a 10)

Fig. 4 – Vista geral do interior da igreja                                                                    Fig 5 - Púlpito

















Fig.6 -  Arco Cruzeiro do Altar Mor   Fig. 7 e 8 – pormenores do Arco cruzeiro


















Fig. 9, 10 e 11 - Pormenores do Arco cruzeiro

Sabe-se pela leitura dos registos paroquiais de travanca de Lagos que a, já aqui descrita, Capela de São João Batista (fig.12), (ver post. Anterior - A despercebida capela de São João Batista), quando foi construída anexa e inserida na igreja matriz de Travanca, como uma capela particular da antiga família Álvares Brandão, por volta do fim do séc. XVI, já a igreja teria a sua configuração atual, a julgar pela arquitetura exterior da capela que mostra claramente ser um acrescento à nave principal, tornando-se saliente, bem visível do largo das campas (Fig.11). Poderão ser desta época as sobreditas obras de monta realizadas no séc. XVI. Portanto, teremos que recuar bastante no tempo até à igreja inicial, que seria com certeza um pequeno templo e que foi sofrendo melhoramentos e ampliações à medida que a sua população crescia e ganhava protagonismo na região. Os templos eram também o local primordial para os enterramentos cristãos, logo, teriam que providenciar espaço funerário para a população residente. Esta prática medieval só foi interrompida em 1835 por decreto de Rodrigo da Fonseca Magalhães, que instituiu a lei dos cemitérios públicos, obrigando a construção de cemitérios nos limites das povoações. (ver post anterior – O misterioso cemitério do Lameiro). Há registos desde 1580, uma espécie de sensos, decretado por Filipe I de Portugal e que obrigava o pároco a registar os nascimentos, casamentos e óbitos, por vezes com filiação e morada, que são os conhecidos registos paroquiais.
















Fig. 12 – Vista  do alçado esq. da igreja e  exterior da capela de S. João Batista  Fig.13 – Vista interior do arco da capela de São João Batista


                                           Fig, 14 – Largo das Campas com o cruzeiro, capela de São João Batista  e de frente, a enigmática casita das campas

Segundo a DGPC, Arquitetonicamente a igreja denota uma certa rudeza e simplicidade que demonstra o seu caracter rural setecentista, embora remetam a igreja original para o período medieval, contudo, sem data específica.
Construída em cantaria de granito, caracteriza-se por ter uma planta longitudinal de nave única, com capela-mor, uma sacristia, uma capela lateral e um Baptistério adossados (fig.13). A cobertura é homogénea em telhado de duas águas, com revestimento interno de madeira. O chão é em lajes de granito, que serviam de tampas de sepultura. Desde 2018 foi revestido a madeira. Exteriormente é rebocada e pintada de branco, excepto o soco, cunhais, pilastras, cornijas, as molduras dos vãos, os pináculos e outros elementos decorativos que são em cantaria à vista.

Fig. 15 – Planta da igreja ao nível da entrada
A fachada é composta por pilastras laterais coroadas por pináculos em forma piramidal com esfera, termina em empena, encimada por uma cruz de cristo em pedra, ambos assentes em plintos. Inferiormente, apresenta embasamento alto, ao nível dos degraus que permitem o acesso à porta principal, de verga curva e cornija saliente, sobrepujada por um nicho, atualmente vazio (teria uma imagem de São Pedro), e um óculo polilobado. Ao lado esquerdo desenvolve-se o corpo saliente do Baptistério com uma pequena janela recortada encimada por cornija e coroada por entablamento e sineira de dois arcos de volta perfeita, coroada por dois pináculos triangulares e cruz de cristo ao centro (fig. 14). O campanário tem acesso por uma escada na parte posterior do Baptistério, que também servia a entrada ao coro alto que, após o restauro de 1973 pelo DGEMN, foi retirado (fig15). A fachada lateral do lado esquerdo, virada para o adro e para a casa paroquial, tem uma porta e duas janelas. À esquerda da porta existe uma escultura em granito assente em plinto, a representar São Pedro, da autoria de Mário Figueiredo, um escultor da aldeia, realizada nos anos 80 do séc. XX. A fachada do lado direito tem 3 janelas e está voltada para o largo das campas, nome que resulta de ter funcionado como adro da igreja e cemitério. Atualmente está sinalizado por um cruzeiro (fig.. A fachada posterior tem um óculo no corpo rectangular da capela-mor e uma janela no corpo da sacristia. O alçado posterior também termina em empena encimado por pináculos em forma de pirâmide com concha e cruz de cristo ao centro. A encimar o óculo tem um relógio embutido. A batida das horas embalou-me durante muitas noites na minha infância. Já houve vários sistemas de som, tendo sido completamente renovado em 2018.

                                           Fig.16 – Planta dos alçados da igreja




Fig.17 – Igreja antes da intervenção de 1973, ainda se observa o coro alto     Fig. 18 – Retábulo da capela-mor

O interior de nave única, com quatro pilares de cantaria, um com o púlpito (fig.5), que suportam e definem o espaço e a capela-mor, esta com o seu arco triunfal Manuelino que lhe dá acesso, onde surge um belo retábulo de talha dourada, com várias esculturas (fig.18). Do lado esquerdo uma janela em fresta ilumina o retábulo. Ao lado do cruzeiro existem outros dois bonitos altares de madeira, retábulos colaterais de talha dourada com varias esculturas também (fig.19 e 20)). Lateralmente aos altares, duas janelas em bisel ou fresta permitem a entrada de luz indireta. Todos os altares são de talha barroca, ao estilo Nacional, estando em risco de ruir, necessitando de obras urgentes.

























Fig.19 - Altar colateral direito             Fig.20 – Altar colateral esquerdo

As mesas dos altares colaterais são revestidas por painéis de azulejo, dos quais o altar da direita ainda conserva um conjunto muito interessante de azulejos de aresta moçárabes do séc. XVI, fabrico de Sevilha, com motivos florais e geométricos de inspiração mudéjar. Pela mistura dos motivos e dos diferentes azulejos do altar faz transparecer claramente que alguns têm uma proveniência de outros locais da igreja, que houve reaproveitamentos. (fig. 21 a 26)









Fig.21,22 e 23- painéis de azulejo









Fig. 24,25 e 26 –Pormenores de azulejos de aresta com motivos florais


Fig.27 – Igreja de travanca, alçado lateral esquerdo, com vista para o Adro

Do lado direito da nave surge uma capela rectangular, aberta por arco de volta perfeita, a sobredita capela de São João Batista. Do lado esquerdo da nave, de frente à capela, surge uma porta de verga curva por onde se fazem entrar os fiéis, em alternativa à porta principal e que dá acesso ao adro da igreja (fig.27). É ladeada por uma pia de pedra lobulada, a lembrar uma tulipa, habitualmente preenchida com água, que os fiéis usam para se benzerem quando entram na igreja (fig.29). Ao fundo da igreja, a ladear a porta principal estão duas pias de pedra trabalhada, com o mesmo propósito da anterior. (fig.28 e 30)
















Fig.28 – Interior da igreja com vista para a porta principal      Fig. 29 – Pia junto a porta secundária

Ainda ao fundo, à esquerda, abre-se a entrada para o batistério, que acedemos descendo uns degraus. O chão, paredes e teto são em granito, de aparelho regular, sendo o teto em abóbada. Tem um painel de azulejo a invocar a memória do Coronel António Rodrigues Nogueira, que custeou em 1898 uma restauração da igreja. Ao centro destaca-se a pia batismal de pedra em forma de concha assente em plinto, com tampa trabalhada em cobre. (fig.30)

























Fig.30 – Batistério                 Fig.31 – Uma de duas pias que ladeiam a porta principal
A sacristia, considerado o camarim e os bastidores da igreja, tem acesso exterior pelo lado do adro. No seu interior uma grande comoda preenche o seu lado direito e guarda uma coleção considerável de paramentos, assim como um recheio considerável de estatuária, de madeira policromada, barro e pedra, bastante antiga e valiosa. Tem duas portas, uma ligada à capela-mor e a outra dá acesso ao antigo engenho do relógio e à retaguarda do retábulo, que serve também como arrecadação. Tem uma janela virada para o alçado posterior da igreja. A parede esquerda tem um lavatório com uma bela pia de pedra trabalhada num estilo barroco. (fig.32)


                                                                                                Fig. 32 – Pia da sacrestia

A igreja como se pretendeu demonstrar terá tido a sua origem num período anterior à nossa nacionalidade, percorreu toda a época medieval, passou pelo Renascimento e pelo período Barroco e chegou ao nosso tempo muito diferente da sua forma inicial. Guarda por isso muitahistória e muitas memórias por contar. Boas e más, como foi o caso do terrível período negro da Inquisição ou da disposição discriminatória dos fiéis durante a missa, ainda vigente no primeiro quartel do séc. XX ( ver art. Anterior – Pessoas de Travanca com história – Luis Martins Borges , um homem determinado),mas também dias felizes de casamentos e batizados que se realizam seguramente durante  mais de 600 anos. Em cada restauro vão se perdendo muitos pormenores, desaparecem peças importantes, como é o caso da escultura ausente do nicho sobranceiro à porta principal, do qual se desconhece o paradeiro. Nunca será demais referir a importância da criação dum museu em Travanca com uma ala dedicada à arte sacra, devidamente estudada, restaurada e preservada e que, embora se mantivesse ligada à igreja, pudesse ser devidamente apreciada por quem se interesse pela arte e pela história. 

domingo, 3 de outubro de 2021

Travanca de Lagos na época Romana


Fig. 1 - Pôr-do-sol em Travanca

Este majestoso e deslumbrante pôr-do-sol de travanca terá com certeza já inspirado romances e poemas, assim como, o amor de muita gente que ao longo de centenas e centenas de anos já o contemplava com a mesma admiração e prazer que nós atualmente. No período romano toda a região de travanca estaria sob o seu domínio e quando por aqui perto fundaram a esplendidíssima civitas no séc. l a.c., na atual Bobadela, esta seria, sem dúvida, já uma paisagem inspiradora para o tempo de então. Esta foto intemporal podia representar uma pintura com mais de 2000 anos. Mas o tempo tem os seus caprichos e teima em apagar os vestígios de ocupação romana. Talvez debaixo de um manto de terra, mais ou menos profundo, estejam os tais elos do passado que tanto procuramos descobrir, unidades de povoamento rural disperso, vestígios de uma villa romana, de uns casais ou mesmo de uma estalagem, tesouros, como o que foi dado por encontrado em Meruge com 200 denáreos romanos e, quem sabe, até resolver o maior enigma da história da nossa região – encontrar o nome romano da Bobadela. Esse seria um grande passo para contextualizar toda a nossa região no período romano.

Fig. 2 - Bobadela

Não há certezas nem consensos entre os historiadores, apenas hipóteses levantadas, sobre qual das cidades romanas, mencionadas por Ptelomeu e por Plínio, ainda não atribuídas atualmente a nenhum território, se afiguram como a nossa Bobadela. Elbocoris, Velladis ou Verurium. Jorge Alarcão, entre outros historiadores que se têm debruçado sobre este assunto, inclinam-se para Elbocoris como o nome mais provável mas, não deixa de ser uma mera hipótese pois, à semelhança do que aconteceu com Ammaia, Sellium ou a civitas Igaeditanorum, que não aparecem na lista de Plínio, também Bobadela poderia estar ausente desse rol e portanto ter um outro nome qualquer. É portanto um grande mistério. Sabe-se contudo que foi uma cidade importante e influente. Foi capital de Civitas, termo que poderia ser entendido hoje como a sede de concelho mas com uma área mais abrangente, parecida à área de distrito.

Travanca dista da Bobadela apenas 2 Km em linha reta portanto, tendo sido Bobadela uma grande cidade, Travanca estaria dentro da sua área de influência periurbana ou suburbana, muito embora a hipótese de já ser um núcleo urbano independente na época é válida tendo em conta vestígios de ocupação humana continua na região. Também nas imediações de Travanca, a norte da vila de Midões, terra muito afamada e antiga, no Outeiro da Cumieira e de Santa Cruz, terá existido uma villa romana chamada de Nabril, onde foram encontradas estruturas, colunas de granito, cipos e moedas ( Jorge de Alarcão – A paisagem rural Romana e Alto Medieval em Portugal), actualmente integrada na Quinta das Moitas.

Fig. 3 - Mapa das áreas dos vestígios romanos encontrados

Por Travanca têm-se encontrado muitos vestígios romanos dispersos em pequenas quintas (fig.3, área 1), sobretudo fragmentos de cerâmica, tanto de armazenamento, como são exemplo disso os Dolia Dollum, aparecendo fragmentos de fundo e do bordo (fig.17,18,e19), como também cerâmica utilitária, no caso, fragmentos de cerâmica de grés e de terra sigilata (fig. 12), de Lateres de construção, bem como lateres de cobrimento, imbríces e tégulas (telha romana)( fig.4,5,6,7,e 8), mas também, fuseólas (fig.10 e 11), ou ainda pequenas mós que habitualmente aparecem à superfície quando se lavram os terrenos. É um vestígio luso romano abundante no nosso país, conhecido como moinho rotativo manual, diferencia-se do moinho de vaivém, também de pequeno formato, ainda do período neolítico, por ser constituído por dois elementos de igual diâmetro, o inferior, chamado dormente, mais robusto e por isso também o mais encontrado ( fig.19,20,21,22 e 23), e a superior ou girante(fig.24), geralmente com buracos que o torna menos resistente. Grande parte destes achados distam pouco entre si apontando para um possível povoamento rural disperso com ocupação romana ou uma possível estalagem romana ou mesmo uma villa romana, tantos são os vestígios encontrados em tão pouco espaço, contudo não foram encontrados tesselas tão características das villa romanas (fig. 3, área 1).

Fig. 4,5,6 - Fragmentos cerâmicos dispersos

 
Fig.7 e 8 -  Fragmentos dispersos           Fig. 9- Um prospeção num terreno em 2013

         

Fig. 10 e 11 - Fuseóla                                           Fig. 12 - cerâmica terra sigilata

Fig.13,14,15 - Cerâmica utilitária

Fig. 16,17,18 - Cerãmica de armezenamento, fragmentos de bordo de dolia dollum

Fig. 19,20,21 - Moinho rotativo manual, componente inferior ou dormente

Fig. 22 e 23 - dormentes                                  Fig. 24 - componente superior ou girante

Fig. 25 - Moinho rotativo manual completo

Um outro vestígio muito comum que de alguma forma ainda vai resistindo ao tempo são as calçadas ou vias romanas. Em Travanca foram identificadas duas parcelas, uma a ladear a Quinta da Via de Lagares (fig.3, ponto 2) e (fig.28,29 e 30), à saída de travanca, atualmente subterrada estando a componente de Lagares identificada e à vista, fazendo parte de uma provável via de ligação de Bobadela a Viseu (fig.3, ponto 1) e (fig.26 e 27) A outra parcela, uma calçada, encontra-se no Zambujeiro fazendo parte de uma ligação entre Vendas de Gavinhos e Travanca, encontrando-se em mau estado, com sobreposição em cimento (fig.3, ponto 3) e (fig 31 e 32). Há o relato de uma possível terceira calçada no meio da povoação, estando coberta há muitos anos por calçada contemporânea (fig.44).

Fig. 26 e 27 - Calçada romana em Lagares da Beira

Fig. 28,29 e 30 - Calçada junto à Quinta da Via

Fig. 31 e 32 - Calçada no Zambujeiro

Outro elemento habitualmente identificado como sendo romano são as fontes de chafurdo ou de mergulho, em que a água situada num nível inferior ao solo é retirada com a própria vasilha que era mergulhada no poço. Estão protegidas por uma abóbada com arco de volta perfeita, semicircular, talvez, também por essa razão, essa arquitetura remeta para o período romano. Foram sendo utilizadas até ao início do séc. XX, mas as epidemias de febre-amarela nos séc. XVIII e XIX e de cólera no séc. XX, bem como o avanço da ciência forçou o seu abandono, tendo sido substituídas pelas fontes de bica ou chafarizes. A sua datação é difícil pois a técnica de construção foi sendo replicada ao longo dos séculos. Em travanca existem duas fontes de chafurdo e uma terceira em Andorinha. A fonte do outeiro (fig. 33 e 34), de construção mais simples mas obedecendo às características descritas e habitualmente conotada com o período romano. A outra, a fonte Arcada (fig. 35 a 38), maior e mais complexa, já sujeita a várias reparações e restauros ao longo dos tempos, a mais recente na última década (fig. 38), o que poderá dificultar a sua datação, parece contudo ser do período medieval. A esta fonte estão associadas muitas histórias e práticas místicas. Contam os antigos que a água desta fonte curava todos os males. Vinham pessoas de vários lugares e terras e ali se deslocavam na primeira sexta-feira depois da lua nova, antes do sol nascer, e que á luz de uma candeia de petróleo eram sujeitos a algumas práticas, geralmente realizadas pelo barbeiro, com a crença da cura de todas as suas maleitas. Uma das práticas, conhecida por “cortar o ar ”, tinha o intuito de curar a falta de apetite e consistia num pequeno golpe atras da orelha feito com a faca de barbeiro, e depois lavavam-se na sua água da fonte milagreira. Ainda existem pessoas em travanca que testemunham essa prática até aos finais dos anos 70, mantidas pelo Sr. Adelino barbeiro e por fim o Sr. Manuel barbeiro, como eram conhecidos. A fonte de Andorinha (fig. 39 e 40), fotografada em 2006, estava já bastante degradada. A sua arquitetura é muito parecida com a fonte do Outeiro, provavelmente são do mesmo período.


Fig. 33 e 34 - Fonte do Outeiro

Fig. 35 e 36 - Fonte Arcada  em 2006


Fig. 37 -  Fonte Arcada  em 2006                 Fig. 38 -  Fonte Arcada, após obras de requalificação


Fig. 39 e 40 - Fonte em Andorinha

Outro elemento que se referencia com a presença romana são as colunas de granito, dispersas pelo povoado, umas mantendo a sua função, outras como simples pedras de construção das casas que destoam das demais pelo seu formato redondo (fig.47 e 48), ou ainda servindo como bancos de jardim (fig. 46) ou á porta das casas. Geralmente são bastante toscas à excepção de uma pequena coluna, ou parte dela, trabalhada com um padrão invulgar (fig.45). A origem destas colunas pode ser de travanca ou trazidas da Bobadela e poderão ou não remontar ao período em questão.

Fig.41- Patio da antiga casa da familia Álvares Brandão Fig.42 e 43- Fragmentos de colunas dispersas na rua Benemérito José da Silva Garcia

Fig. 44 - Rua Benemérito José da Silva Garcia

Fig. 45 -Pátio da antiga casa da familia Pinto de Brito      Fig. 46 - Jardim da Junta de freguesia

Fig. 47 e 48 - Casa anexa à junta de freguesia     Fig. 49 - Museu Falcão de Brito

Fig. 50 e 51 - Alpendre da antiga casa da familia Soares da Costa Freire Fig.52 -Museu Falcão de Brito

Falta falar das pontes, tão características deste período romano. Na freguesia existem duas bastante antigas e rústicas que atualmente não servem nenhuma via importante, apenas caminhos entre quintas, o que as torna bastante enigmáticas por esse motivo. O seu aspeto e imponência fazem referencia-las como romanas, mas não há evidencia que sejam, talvez medievais. A ponte da Pantera em travanca (fig. 53 e 54), já aqui descrita noutro artigo, e a ponte das Roçadas em Andorinha (fig.55 e 56), ambas a necessitar de obras de restauro.

Fig. 53 e 54 - Ponte da Pantera, em Travanca de Lagos 

Fig. 55 e 56 - Ponte das Roçadas, em Andorinha

Continuaremos na incerteza quanto à fundação de Travanca, se fundada em época romana ou sobre um povoado lusitano. Algumas evidências apontam para a existência de povoamento rural disperso com ocupação romana mas dentro da zona histórica de travanca ainda não houve, para além das colunas dispersas, achados significativos da presença romana. Lusitana ou romana, esse será um mistério que irá perdurar até que se encontrem evidências concretas da sua fundação. Por isso é tão importante não destruir os vestígios e preservar o património edificado pois fazem parte do ADN dos Travanquenses e seguramente guardam elos do passado.

Era interessante a criação de um espaço museológico em Travanca que pudesse ir reunindo os achados mais importantes na comunidade e que pudesse representar o que se vai descobrindo da história da aldeia, quer deste período romano em particular, havendo, para tal, abertura para cedência de peças importantes por parte, por exemplo, da família Falcão de Brito, quer dos vestígios judaicos descobertos nos últimos anos, dispersos pela aldeia, sendo travanca talvez a Terra mais representativa desta época em todo o concelho de Oliveira do Hospital, podiam ser expostos, e ainda, a inclusão duma ala para expor arte sacra, pois travanca possui um património bastante valioso, também a este nível, que deveria ser devidamente restaurado e mostrado. Um museu da história de Travanca, ou de travanca com história ou eventualmente com um nome ligado a uma figura de Travanca. Fica lançado o desafio, haja alguém que pegue na ideia e a torne uma realidade para o bem te todos…