Travanca de Lagos,
da pré-história ao período romano.
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fig.1 - Mata do Búsio |
Travanca de montes e vales, de pinhais fartos, de lindos e
majestosos pinheiros mansos que crescem entre penedos de granito e fazem
recintos de lazer para deleite de todos, como é disso exemplo a Mata do Búzio (fig.1), cartão-de-visita
da nossa Terra, deixou de existir, por alguns anos ainda, devido à devastação
do terrível incendio de outubro de 2017. Agora a mancha verde
deu lugar a uma paisagem pedregosa, bela também, muito característica da nossa
região e que nos remete para o período glaciar. Montes áridos, vales profundos,
enormes pedras de granito soltas pelas encostas, algumas num equilíbrio
perfeito, quase que parecendo plantadas pela ação do Homem são, no entanto,
blocos erráticos, produtos da erosão glaciária. Voltámos por isso a um quadro
pintado com uma paisagem pré-histórica, um recuo de milhares de anos.(Fig. 2)
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Fig. 2 |
Foi durante a Era Geológica do Quaternário, na
Glaciação Pleistocénica, que ocorreu a maior parte do
processo de hominização. Segundo a paleontologia, foi na última fase
glaciária, conhecida como de Würm, durante o paleolítico
superior, de 35 a 20 mil anos a.c., que o Homem moderno, ou de Cro-magnon,
entrou na europa. De acordo com alguns autores, a sua entrada no atual
território português terá sido um pouco mais tardia, entre os 28 mil e 21 mil
anos a.c. . O pico máximo do último glaciar foi há cerca de 18 mil
anos e estudos mostram que terá havido uma queda na temperatura média
anual de cerca de 10ºc neste território. A Serra da Estrela teria gelo permanente
a 1650 metros. À sua volta os terrenos mantinham-se gelados e eram erodidos em
consequência da alternância do gelo e do degelo.
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Fig. 3 - Ilustração de Diana Duarte |
Atualmente
ainda decorre a última glaciação mas estamos numa fase interglaciar. A
temperatura começou a aumentar há 16 mil anos, ou seja," se o
território português fosse uma posta de pescada congelada, foi nessa altura que
o retiraram do congelador" (in Portugal nos últimos 10 mil anos),(fig.3).
Os vales profundos dos rios eram corredores sem gelo, como seria o Cobral, o Seia e o Mondego, onde se
alimentavam da vegetação, a cabra-montês, o cavalo selvagem, o veado e o
auroque. À cerca de 10 mil anos atrás, à medida que
recuam as coníferas para a montanha, avançam as áreas de floresta, com bosques
de carvalho, azinheiras e sobreiros acompanhadas pelo castor-europeu, pelo
corço e pelo javali e o coelho bravo.
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Fig.4 |
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Fig.5 |
O Homem de Neandertal perfeitamente adaptado ao clima rígido e extremamente frio da
europa, estava instalado desde o fim do paleolítico inferior. Passou por três
glaciações, Mindel, Riss e o início de Würm, e tantos outros períodos
interglaciares, quando abundavam o Mamute, as renas e o rinoceronte-lanudo na
nossa região, e extinguiu-se há 28 a 35 mil anos atrás, ainda envolto em
mistério, mas com vários milhares de anos em comum convívio com o Homem
moderno, Homo Sapiens Sapiens. O menino de Lapedo é um exemplo
paradigmático, um esqueleto de uma criança de 4 ou 5 anos, com cerca de 25 mil
anos, descoberto perto de umas grutas no Lapedo, concelho de Leiria, e
que mostra ser um cruzamento de espécies entre o Homo de Neandertal e o Homo
Sapiens. Parece que a Península Ibérica, e Portugal em particular, foi o último
reduto do Homem de Neandertal no mundo. As teorias mais recentes apontam como
uma Pandemia a causa mais provável de extinção desta espécie
tão bem adaptada ao frio, doenças adquiridas por provável contágio com a
espécie Humana. Outra teoria é que no cruzamento com o Homem Moderno, o Neandertal,
foi perdendo a corrida da genética. Contudo, sabe-se que o ADN da nossa
espécie, de origem não africana, tem cerca de 2% de Neandertal.
Quem sabe se estes primos do passado não poderiam ter andado por terras de Travanca de Lagos, caçadores
nómadas, vivendo em abrigos e grutas, tinham nos grandes penedos de
granito um abrigo possível, como é exemplo disso, As casinhas do Diabo,
no Búzio, (Fig. 6), entre muitos outros locais no nosso concelho.
O Homem Moderno, começou a dar os primeiros passos na Europa gelada no
Paleolítico Superior, dominada pelos Neandertais adaptados há milénios. Com o
aquecimento global, no Haloceno, foram sendo criadas as
condições para a sua fixação, deixando de ser apenas nómada. Deu-se então a
denominada revolução Neolítica, o Homem passou
progressivamente de recolector para a agricultura, fixou-se em povoados que
tinham por base uma economia produtora e consequentemente um maior controle nas
fontes de alimento.
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Fig.6 - Casinhas do Diabo, Mata do Búsio |
Os primeiros povos Homo Sapiens a existirem na península crê -se que
tenham sido os Iberos, vindos do Norte de África e Médio Oriente.
Existem vestígios muito relevantes da sua presença gravada nas margens do rio
Coa, por exemplo. Por volta de 7 mil a.c., aparece a cultura
megalítica na europa, como são exemplo disso, as Antas, os Dólmens,
cromeleques e menires e também a cultura da cerâmica cardial
(decoração cerâmica impressa com conchas de berbigão). Na Ora Marítima de Avieno, no séc. IV d.c.,
vem referência a um povo de agricultores pacíficos, os Estrímnios,
como sendo o povo mais antigo dos Iberos. Posteriormente teriam sido dominados
pelos Ofis ou Sefes, um povo guerreiro que entrou na península
vindo de leste, guiado pela sua Deusa da serpente, Ofiusa. Cerca
de 3 mil a 1900 anos a.c. inicia-se outra revolução, o período
Calcolítico, ou idade do cobre, e seriam estes Iberos que habitavam a
nossa região nessa época.
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Fig. 7 |
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Fig. 8 |
Houve neste período um grande desenvolvimento da cultura
megalítica, com as suas práticas funerárias associadas, havendo registo e
evidência disso no nosso concelho como, é exemplo, o Dólmen ou
Anta da Bobadela, ou Pinheiro dos Abraços, também Pinhal da
Coitena, que foi descoberto e explorado em 1966 pelo arqueólogo
João Castro Nunes e colaboradora V. Leisner, e mais tarde, estudada
por H. Shubart, também por Senna-Martinez (fig.7). Ainda temos exemplo da Anta
da Sobreda, ou Curral dos mouros da Sobreda, o Dólmen do Seixo
da Beira, ou Arcaínha do Seixo, estes explorados por Santos Rocha
em 1899 e reescavado por Castro Nunes na década de 60 e ainda, a Anta
da Cavada no Ervedal da Beira.
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Fig. 9 - Anta da Arcaínha |
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Fig.10 - Anta da Cavada |
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Fig. 11 - Anta da Bobadela |
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Fig. 12 - Anta da Sobreda |
Há autores que as datam do Neolítico final,
cerca de 4 mil anos a.c., com posteriores e sucessivas utilizações no
período calcolítico e idade do bronze. Na Anta da Bobadela foi encontrado
um vasto espólio de materiais líticos, como centenas de pontas de seta, lâminas,
machados, enxós, e contas de colar. ( fig. 16, 17, 18) Também cerâmicos, nomeadamente
cerâmica Campaniforme que, junto com uma ponta de seta em cobre, remetem para a
idade do Calcolítico (fig.8, 14, 15) e ainda, por exemplo cerâmicas de vasos
tronco-cónicos invertidos e de carena baixa (Fig.13 e 15) que a remetem para a Idade do Bronze, o
que mostra a reutilização por parte dos diferentes povos ao longo das várias
Eras. Atualmente o espólio das escavações, que se encontrava exposto dentro da CM de Arganil, no museu regional de
Arqueologia de Arganil, criado por Castro Nunes em 1981, faz parte hoje do acervo do recém criado museu Regional de Arqueologia e etnografia de Arganil, no edifício da Casa Municipal da Cultura mas está simplesmente depositado. Após algumas diligencias foi-me permitido fotografar parte do espólio da Anta da Bobadela. (não faria sentido estar exposto no museu da Bobadela?)
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Fig. 13 |
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Fig. 14 |
No Calcolítico aparece a invenção da roda, a roda de oleiro, a utilização da força animal para transporte e a domesticação do cavalo que contribuíram para o comércio a longas distâncias e leva a grandes transformações culturais e sociais. Favoreceu o aparecimento e florescimento dos primeiros povoados, a procura e competição pelas melhores terras, consequentemente a necessidade de defesa com a construção de fortificações e o aparecimento de novas armas como, é exemplo, o arco e flecha. No sudoeste ibérico afloram os chapéus-de-ferro ou gossans ( fig.21), ricos em cobre, ouro e prata, acessíveis a uma metalurgia primitiva.
Fig.15 - Cerâmica Campaniforme(sup. esq) e cerâmica de vaso tronco-cónica invertido e de Carena baixa Fig.16 - Pontas de seta e lâminas de Sílex
Fig. 17 - Machados, enxós e cunhas Fig. 18 - Foice do Neolítico ( imagem sup. proveniência Museu de Loures) e Elementos de foice em sílex (Bobadela)
Fig. 19 - Contas de colar. Fig. 20 - Mó Manual do Neolítico (sup.) e nucleo de cristal de quartzo eliane usado para fazer lascas votivas
Segue-se a Idade do Bronze, de 1800 a 700 anos a.c., período em que se desenvolveu esta liga metálica que resulta da mistura do cobre com estanho, conferindo ao metal maior dureza, anteriormente forjado de uma forma natural. Na Sobreda, Seixo da Beira, a exploração de cassiterite, minério rico em estanho, já era do conhecimento dos romanos, onde recentemente foi descoberta uma fundição dessa época. A exploração seria mais antiga com certeza. É o período de aparecimento das grandes civilizações no Próximo Oriente, como os Sumérios, os Assírios, a Babilónia ou o Antigo Egipto. Por cá, embora mais tardio também houve um grande desenvolvimento comercial, tecnológico e social com o aparecimento da estratificação e complexidade social.
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Fig. 21 |
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Fig - 22 Idade do Bronze |
A época seguinte, denominada de Idade do Ferro, compreende o período entre 700 a.c. até ao período romano, caracteriza-se pelo início da metalurgia do ferro, um metal com vantagens sobre o bronze dada a sua maior dureza e abundancia de jazidas. É um período de trocas culturais e comerciais intensas. A norte e centro pela influência Celta e cultura de Hallstatt e a sul pela influência fenícia, grega e de Cartágo. Na nossa região desse intercâmbio e domínio Celta, resultou um povo mestiço Celtibero conhecido pelos romanos como povo Lusitano.
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Fig. 23 - Monumento a Viriato e aos Lusitanos , Viseu. |
Portanto, na Idade do Ferro até à presença e domínio romano na nossa região fomos, por terras de Travanca, também, um povo Lusitano com a sua cultura Castreja. Ainda não foram identificados castros ou outros elementos característicos da sua cultura em Travanca mas, no concelho abundam vestígios. Segundo Alarcão os Lusitanos não seriam um povo homogéneo, antes um conjunto de populações com pontos comuns, com as divindades Bandus, Nabia e Reve, também comuns aos Galaicos e também Arentius/Arentia, Quangeius e Trebarunis, divindades comuns a todas as populações lusitanas mas de territórios diversos. Para a cidade da Bobadela, a qual ainda não se conhece o nome romano ou lusitano, Alarcão atribui-lhe a Elbocoris de Plínio e o seu povo os Elbocori. (Alarcão, 1990b, p. 378). Assim sendo, e dada a proximidade de Travanca com a Bobadela, segundo Alarcão, na Idade do Ferro, os Travanquenses teriam sido Lusitanos Elbocoris.
Referencias:
REVISTA DO CENTRO DE HISTÓRIA DA
UNIVERSIDADE DE LISBOA volume 4-1982
J. C. Senna-Martínez, REVISTA DA UNIARCH - Unidade de
Arqueologia do Centro de História da Universidade de Lisboa (Instituto Nacional
de Investigação Científica), vol. 1, 1983-84, Contribuições para uma tipologia da olaria do megalitismo das Beiras: olaria da Idade
do Bronze .
JORGE DE ALARCÃO, REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia
. volume 4. número 2. 2001, Novas perspectivas sobre os Lusitanos (e outros
mundos)
Mauricio P. Munoz, Viriato - A luta pela liberdade.
Wikipédia