Desde a época pré-histórica que Travanca de Lagos tem partilhado com as Terras limítrofes um percurso rico em história e património. Foi assim desde o calcolítico, passando pelo período romano, árabe ou durante a época medieval. No entanto, a partilha de protagonismo não se verifica quando nos referimos a um passado Judaico que, em Travanca, se tem vindo a descobrir, como testemunham os múltiplos vestígios encontrados. Constitui, mesmo, um caso singular no contexto da nossa região.
Devemos regozijar-nos com esse facto, pois coloca Travanca
na rota das Judiarias em Portugal. Contra factos não há argumentos. Travanca de
Lagos é um caso ímpar no nosso concelho e os achados são dignos de serem
preservados, estudados e mostrados.
Desde 2012, data das primeiras descobertas, foram
contactadas diversas pessoas especializadas na área e convidadas a conhecer e a
pronunciarem-se relativamente a esta pegada judaica em Travanca. Especialmente
relevante foi a vinda, em 2018, do arqueólogo do município de Gouveia Joel
Correia e a sua equipa, apaixonados que são e grandes conhecedores desta
temática, a convite do arqueólogo Rui Silva do município de Oliveira do
Hospital. Eles encontravam-se a desenvolver, nessa altura, um projeto complexo
de adesão de Gouveia à rota das Judiarias de Portugal, baseados em descobertas
duma comunidade judaica em Gouveia em 2014. Ficaram agradavelmente
surpreendidos e entusiasmados com o que encontraram em Travanca, não restando
dúvidas da importância deste património.
A
autarquia de Oliveira do Hospital ultimamente, percebendo a sua importância,
interessou-se e procura encontrar uma forma de valorizar este legado, no
contexto da nossa região.
Fig. 2,3 e 4 –Antiga casa da Quinta do
Veríssimo, em ruínas, com simbologia cruciforme
Fig. 5,6,7 e 8 – Simbologia cruciforme na Casa dos Moleiros
junto à ponte e ao lagar do rio Cobral .,
A descoberta dos referidos vestígios,
maioritariamente simbologia cruciforme nas ombreiras das portas, tem
aumentado nos últimos anos, à medida que exploramos novas áreas à volta da
povoação, como são exemplo disso a Quinta do Veríssimo (fig. 2 a 4) ou as casas
dos moleiros, junto ao lagar do rio Cobral em Travanca (fig. 5 a 8).
Fig. 9,10,11,12 e 13 - Simbologia cruciforme em casas da Rua do Outeiro
Fig. 14 a 17 -
Simbologia cruciforme em porta biselada numa casa da Rua do Outeiro de Cima
Surpreendentemente, o mesmo se passa quando exploramos a zona histórica, agora com um olhar mais atento, encontramos novos achados interessantes, como aconteceu na Rua do Outeiro (fig. 9 a 17) ou na Rua José da Silva Garcia (fig. 18 a 22). Encontrámos uma casa com a mesma simbologia, em Lagares da Beira (fig. 23 e 24), sugerindo ter lá vivido um Cristão-novo ou um Marrano, como eram conhecidos na época «mar anuss», ou seja, «homem convertido à força»), à semelhança do que aconteceu em Travanca de Lagos. Mas percorremos, também, Negrelos, Andorinha, Vendas de Galizes, Bobadela, Oliveira do Hospital, entre outras terras adjacentes, sem que se descobrisse qualquer pegada judaica.
Fig. – 18 Fig. 19, 20,21 e 22
- Simbologia cruciforme em casas na Rua José da Sila Garcia
Judeus Sefarditas, conhecidos como os
descendentes dos judeus de Portugal, de Espanha e de Marrocos, é o termo usado quando se
referem aos judeus da Sefarad, palavra que em hebraico significa Península
Ibérica, e que se distinguem dos judeus Asquenazes, oriundos da Europa Central
e do Oriente. Terão começado a vir depois da destruição do segundo templo de Jerusalém, depois do séc. II, que levou ao êxodo do povo Judeu, conhecida como a segunda diáspora hebraica. A sua convivência com os vários
povos, romanos, visigodos, mouros e cristãos, nunca foi pacífica mas teve
longos períodos de sã convivência, em contraponto com os períodos de
perseguições e intolerância.
Com o Édipo de expulsão de Castela, em 1492,
entraram em Portugal milhares de Judeus fugidos de Espanha, que se fixaram
especialmente na Raia mas, também, nas terras do interior, procurando segurança
e oportunidades. Provavelmente, juntaram-se a pequenas comunidades
judaicas locais ou a famílias judias já estabelecidas, procurando Terras com
oportunidades de negócio ou, simplesmente, por mero acaso. Qual teria sido o
caso particular em Travanca? Haveria já alguma pequena comunidade ou judiaria
pré-existente?
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Fig. 23 e 24 - Simbologia cruciforme numa casa
em Lagares da Beira
Desde essa fatídica
data, até à atualidade, passaram mais de 500 anos chegando até nós apenas as
marcas no granito, que o tempo não apagou, e que testemunham esse passado,
também de Travanca. É como se se tratasse de um segredo bem guardado, que não
houve interesse em revelar, quer a judeus, quer a cristãos. Sabemos pela
História que estas comunidades, poucos anos após se terem fixado em Portugal,
foram perseguidas, ostracizadas e, descontentes, ou conseguiram fugir ou se
submeteram a um penoso processo de conversão ao cristianismo, ainda no reinado
de D. Manuel, em 1496. Sabemos que passaram pelo período negro da Inquisição
desde a sua instituição em 1536, por D. João III, até à sua extinção em 1821,
em plena revolução liberal. À semelhança de todo o país, os Travanquenses
passaram quase 300 anos de uma prática desumana de terror, perseguição e
tortura, que atravessou, provavelmente, muitas gerações que acabaram por se
converter, miscelanizar, procurando sobreviver ao fado trágico da história, até
se tornarem numa memória longínqua e cairem no esquecimento.
Quando descobrimos
um novo símbolo cruciforme na ombreira de uma porta, seja mais elaborado, como
se tratasse de um selo de orgulho de uma comunidade assumida, ou seja com uma
forma mais tosca e apressada, como um selo de vergonha resultando de um acto de
descriminação e perseguição, não vemos apenas um símbolo, imaginamos muitas
histórias e muito sofrimento. Efetivamente, já não podemos dissociar esses
factos da história de Travanca, que no início ainda se chamava São Pedro de
Travanca e não Travanca de Lagos.
Tradicionalmente,
estas comunidades podiam reunir todas as classes sociais. Dominavam a escrita,
tinham profissões liberais, como medicina, advocacia, ou podiam ser escrivãos
mas também, e muito frequentemente, se dedicavam ao comércio e à usura, ou
seja, emprestavam dinheiro. Eram mestres no artesanato, especialmente
alfaiates, ferreiros ou sapateiros, podendo ter comércio itinerante ou fixo, em
lojas ou tendas. Dum modo geral, as suas atividades permitiam estarem sempre
preparados para a necessidade de uma fuga eminente.
Em
Travanca há uma certa tradição e presença, precisamente, destes três ofícios,
ligados a algumas famílias que os mantiveram de pai para filho, ao longo de
várias gerações. Há Alfaiates na família Correia e Correia de Lemos, Sapateiros
na Família Aires ou Silva Aires e Ferreiros na família Carvalho, mas estes
dados apenas se reportam ao fim do séc. XVIII e XIX.
Fig. 25– Porta e janela quinhentista com lintel
e ombreiras biseladas
A entrada, em grande escala, desta rica
comunidade em Portugal, no séc. XVI, levou ao enriquecimento das nossas terras
e ao desenvolvimento do património civil. Este acontecimento parece, também,
coincidir com o período mais faustoso de Travanca, refletindo-se na sua
arquitetura civil, nomeadamente nas casas com os lintéis das janelas e portas
biseladas. Característica distinta e reveladora de um estatuto mais abastado,
conotada com essa época e também com esta comunidade (fig. 25), espalhada por
todo o centro histórico e que, definitivamente, urge proteger. Os exemplos
dessa associação entre a arquitetura civil e o judaísmo /criptojudaísmo são
muitos mas iremos abordar, sucintamente, 4 exemplos mais á frente.
À procura da Mezuzah
Fig. 26 e 27 – porta com possível Mezuzah
Um elemento
importante e irrefutável da presença judaica, e não apenas da presença de
cristãos-novos, é a Mezuzah. Comummente descrita como sendo uma
concavidade vertical nas ombreiras das portas, a 2/3 de altura, com cerca de 10
cm de comprimento e cerca de 2 cm de largura e profundidade, destinava-se a
abrigar, de forma total ou parcial, um estojo que continha um pequeno rolo de
pergaminho com as palavras iniciais do texto do Shemá Israel, “ouve, ó
Israel, o Eterno é nosso Deus; o eterno é um”, uma das orações fundamentais do
povo judaico, que mandava recordá-lo e escrevê-lo nas ombreiras das portas.
Apesar da procura insistente pelas portas das casas mais antigas da aldeia,
ainda não foi possível observar nenhum desses elementos com certeza. O exemplo
da figura 26 e 27 é meramente hipotético. Encontra-se na casa da família
Martins Borges (http://travancacomhistoria.blogspot.com/2018/10/pessoas-de-travanca-com-historia.html),
tem o que aparenta ser uma Mezuzah no sítio certo, mas não na porta principal.
Pode, também, tratar-se de uma porta reutilizada de outra construção contudo,
segundo Isabel Madeira, trineta de Manuel Martins Borges que foi o seu primeiro
construtor ou reconstrutor, há uma certa ideia de um passado judaico,
longínquo, na família.
Crê-se
que possam existir mais exemplos, por baixo dos rebocos das ombreiras das
portas ou nos batentes dentro das casas, especialmente no centro histórico. A
procura continua…
Fig.28 – Exemplos de elementos
cruciformes encontrados
Os elementos
cruciformes de que se tem falado, e que mais comummente encontramos nas
ombreiras das portas, também são conhecidos por marcas na Mezuzah visto
que, em hebraico, Mezuzah quer dizer, precisamente, umbral ou batente. Têm sido
muitos e diversos os exemplos encontrados constituindo, no total, um conjunto
muito interessante e significativo. (fig. 28)
Os
armários Judaicos ou Haron Hacodesh
Fig.
29– casa do Zambujeiro,exemplo 2 fig. 30 - casa do largo, exemplo 4 fig. 31- Casa do
Outeiro fig. 32 - casa museu da Junta de freguesia
De igual forma,
assim como foi referido para a Mezuzah, a existência de armários judaicos
também é prova inequívoca da prática religiosa judaica. Tal como descrito num
artigo anterior, (http://travancacomhistoria.blogspot.com/2013/10/cronicas-da-minha-terra-cap-iii.html), o armário judaico servia como altar
litúrgico. Geralmente embutido na parede, composto por pedras únicas, duas
laterais, uma superior, uma inferior e uma mediana, que o separava em dois
espaços. O superior recebia o Menorah, ou candelabro de 7 braços, e o inferior
recebia o rolo da Torah, o livro sagrado para a celebração do culto religioso.
Há descrições de um pequeno sulco circular, inferior, para receber o dito rolo
sagrado. Por vezes é descrito como estando orientado para oriente, embora nesse
ponto não haja consenso. Quanto aos 4 possíveis exemplos encontrados em
Travanca, até ao momento, todos têm orientações diferentes. Com orientação a
nascente só os altares da igreja matriz. Todas as casas com estes elementos têm
marcas na Mezuzah e duas casas apresentam os lintéis e ombreiras das portas e
janelas biselados. Nenhum apresenta o sulco inferior e uma parte tinha ou ainda
tem marcas de fumo, mostrando que, a serem judaicos, foram tendo outros fins
que não o originalmente pensado.
Fig. 29 - Casa do Zambujeiro, exemplo 2 – orientação norte
Fig. 30 - Casa do Largo, exemplo 4 – orientação sul
Fig. 31 - Casa do
outeiro – orientação sul
Fig.
32 - Casa do museu etnografico da junta de freguesia – orientação poente
Casa exemplo 1-
Uma casa misteriosa, tipicamente judia?Fig. 33 a 36
Está localizada no
centro histórico, perto da igreja matriz. É uma casa medieval com a sua
estrutura e fachada original preservadas, sendo geminada com outra que tem a
data de 1623 inscrita numa pedra, junto à sua porta. A data de construção pode ter sido anterior. Embora sejam separadas,
comunicam entre si. De frente para uma encruzilhada, sobressai um elemento
cruciforme bem lavrado no granito da esquina. A julgar pelas características
habitualmente consideradas como sendo as de uma casa tipicamente judia, ou de mercador Cristão Novo com ascendência judia esta
não parece deixar dúvidas. É composta por duas portas no piso inferior, uma
mais larga que serve a oficina e outra mais estreita que dá acesso ao piso
superior habitacional, neste caso particular por meio de uma escada interior
bastante básica, feita em madeira. A sua enorme fachada de granito sobressai
por apenas ser rasgada por um pequeno janelo, estilo postigo, embora tenha
outra de dimensões normais na ponta. Para além disso, está envolta num certo
misticismo. Quando era pequeno havia o hábito, que talvez viesse já de longe,
bem longe, de à noite, ao passar na estreita viela escura e sombria, fazer
figas. As crianças passavam a correr e nem olhavam com medo que algo de mal
lhes acontecesse. Hoje está desabitada mas, nesse tempo, vivia lá uma velhota
que diziam ser bruxa e que nunca se sabia se estava à espreita pelo seu pequeno
e único postigo. Quando na época pensávamos ser a bruxa a ameaça, passávamos
pela casa a correr cheios de medo e com ideias ocultas de segregação. Essa
atitude poderia estar associada à memória coletiva do povo de Travanca,
traduzida pela marginalização quer do espaço, quer dos moradores que nela habitavam.
Podemos comparar essa vivência com as
antigas perseguições religiosas movidas aos Judeus/Cristãos Novos de outras épocas e que se foi perpetuando no tempo, nesse mesmo
espaço. Não há fumo sem fogo ou será uma mera coincidência?
Recentemente,
em conversa o Sr. Albertino Tomás, nascido e criado na mesma rua mas há muitos
anos a residir na capital, contou-me que, em criança, quando ele ou os irmãos
se portavam mal logo os pais lhes diziam: -“parece que vives na casa dos
judeus”, referindo – se a esta casa. Um testemunho que fala por si!
Fig. 37 e 38 - Sr.
Albertino Coradinho
Um dos filhos dos
antigos proprietários é atualmente o homem mais idoso a viver em Travanca, o
Sr. Albertino Marques Miguel com 97 anos, conhecido por Coradinho (fig. 37 e
38), que, quando questionado sobre este assunto, respondeu com total
desconhecimento. Os pais chamavam-se António Francisco Miguel e Idalina da
Conceição e a avó era Teresa Bernarda. Um dos irmãos casou-se nos Fiais e era
sapateiro.
Todas
estas características fazem dela uma casa peculiar.
Casa exemplo 2
– Uma casa com sinagoga?
Fig. 39 a 40 -
Conjunto do Zambujeiro, vista lateral e aérea
Situada
no Zambujeiro, fora do perímetro urbano mais antigo, esta casa parece ser um
retiro, longe dos olhares indiscretos. O conjunto é composto por três casas
geminadas em L, a última das quais (casa C) tem a data, preservada no granito
da fachada, de 1649. No extremo oposto é composta pela habitação mais recente,
já dos inícios do séc. XX (casa A). No entanto, consegue-se adivinhar nesse
local uma casa bem mais antiga, contemporânea da primeira. Exteriormente,
sobressai nesta uma porta, no piso inferior, com o lintel abobadado, nada
habitual nestas paragens,
e encimada por um janelo que fica ao nível do chão do piso superior, parecendo um posto de vigia.
Fig. - 40, 41 e 42 -
Casa A e B, pormenores
Perpendicular a
esta casa, e geminada com a sobredita primeira casa, destaca-se uma outra (casa
B), hoje um pouco alterada mas, mantendo também um pequeno janelo enigmático,
ao nível do chão do piso superior. A entrada dá para uma sala ampla, única, o
centro da qual ostenta um armário de granito, embutido na parede, que faz
lembrar um armário judaico, o referido Aron Hakodesh, tal como descrito num
artigo anterior, (http://travancacomhistoria.blogspot.com/2013/10/cronicas-da-minha-terra-cap-iii.html).
À entrada da casa encontramos, também, um elemento cruciforme escavado na
parede. Poderá tratar-se de uma pequena sinagoga residencial onde, longe dos
olhares indiscretos, se podiam reunir e rezar?
Por outro lado, a
sobredita casa C, com a data esculpida de 1649, tem uma história curiosa pois,
segundo contam, pertenceria a alguém de Rio de Mel terra que, segundo o Dr.
Francisco Antunes, tem ou teve um forte passado Judaico. O Dr. Francisco conta
que, quando exercia medicina na periferia e dava consultas nessa terra, as
pessoas, ao entrarem no consultório, mantinham sempre um ar muito desconfiado,
olhando sempre por traz dos ombros, à esquerda e à direita, como se estivessem
a ser perseguidos. Ele achava que eram, ainda, reminiscências do criptojudaísmo.
Refere, também, que nessa aldeia havia a tradição dos alfaiates ambulantes.
Estes deslocavam-se em burras ou mulas, com todo o material que necessitavam,
como a máquina de coser e os tecidos, hospedando-se na casa do cliente até
terminarem o fato. De certa forma, podemos conotar esta situação com a presença
judaica, no sentido de estarem sempre preparados para uma eventual fuga em caso
de perseguições.
Casa
exemplo 3 – Uma casa de Cristãos-novos
Figs. - 40 a 43
Situada à entrada do Outeiro, a antiga e
principal estrada que servia a população e que levava ao centro do Povo, esta
casa surge sem nenhuma característica especial. O que chamou a atenção foi que,
após ficar devoluta, iniciaram-se algumas obras na fachada. A remoção do reboco,
junto à entrada principal, deixou à mostra vários elementos cruciformes,
distintos e muito bem preservados, aos quais ninguém pode ficar indiferente nem
deixar de os considerar relevantes, do ponto de vista histórico, como pertença
de uma casa de família de Cristãos-novos. Não foi, ainda, possível e oportuno
visitar a casa por dentro.
Exemplo 4
– Casa museu, uma proposta
Fig. 44 a 48 – Casa
esquerda do largo
Trata-se de um exemplo de casa muito
interessante, por reunir várias características singulares que poderíamos
conotar com a presença judaica. A má notícia é que está em ruínas, com risco de
desmoronar. Fica no centro histórico, muito perto do templo cristão que é a
igreja matriz. Tem portas e janelas biseladas e marcas na Mezuzah. Apresenta um
armário em pedra, já aqui descrito (fig. 30), ficando bastante recuada do
alinhamento das outras casas, como se estivesse ao fundo de um corredor. Por
último, um outro pormenor que a distingue é a existência de um alçapão na sala,
suficientemente camuflado, sendo o único acesso a uma loja no piso inferior
que, embora dê para o dito pátio ou corredor, não tem portas ou janelas.
Poderia tratar-se de um esconderijo perfeito, se entrarmos no imaginário das
perseguições ao povo judeu. Fig. - 49, 50 e 51 – Portas das casas do largo,
esq. e dta
Fig. 52 e 53 – Casa família Madeira
Fig. - 54 - Casa à esq. da Junta (família
Fogueiras) fig. 55 – inscrição no lintel – "Anos 1743" fig. 56 e 57 – cruciformes nas ombreiras
Fig. 58 e 59 – Casa em frente à junta fig. 60 e
61 – Casa do museu etnografico da junta frede guesia fig. 62 – Muro do jardim da junta
Esta é a primeira de algumas casas que estão
geminadas, interligadas, partilhando as marcas cruciformes, algumas com portas
biseladas e outra também com armário, numa rua que, como foi já descrito num
artigo anterior em 2013, (http://travancacomhistoria.blogspot.com/2013/11/judeus-e-cristaos-novos-em-travanca-cont.html)
apresenta casas com fachadas muito interessantes e suspeitas, dos dois lados da
rua. Desde essa data, até ao momento, já se fizeram mais descobertas. A própria
antiga casa da família Ibérico Nogueira, atualmente sede da junta de freguesia,
que terá sido construída, ou reconstruída, no séc. XVIII, quando a família se
implantou em Travanca, poderia ter sido edificada sobre escombros de outras ou
sobre a base de uma ou duas casas do mesmo tipo, aqui referenciado, dado que
tem uma área de implantação grande. No jardim da junta ainda se podem observar
muitos vestígios de outras construções, havendo elementos cruciformes, já aqui
apresentados, nos muros das imediações (fig. 62).

Fig. 64 – Cruzes a vermelho (cruciformes soltas em
casas ou muros) Fig. Vermelhas –
casas judeus/cristãos novos
Círculo
amarelo – Judiaria? Círculo branco – 2º conjunto de
casas junto a Rua José da Silva Garcia
Linha verde – antiga estrada
principal da povoação
A dita rua, agora chamada da Junta de Freguesia,
após a análise do número de casas ali encontradas com marcas de um passado
judaico, como ficou exemplificado, faz pensar que no local poderá ter existido uma
pequena judiaria, embora não passe de uma mera hipótese que é, no entanto,
perfeitamente plausível. Tendo isso em consideração e vendo o estado de ruína a
que chegaram as casas do largo, que encerram ainda um valor histórico incrível
e sobreviveram a um período medieval cheio de história, não se pode deixar de
considerar o local o sítio ideal para implementar um museu judaico. Fica aqui,
uma vez mais, o repto lançado! É urgente
intervir!
(texto revisto por Helena Duarte)