Feliciano da Silva
Uma perspectiva da sua vida e obra
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fig. 1- Feliciano da Silva em 1958, no búzio |
Estando
este blog destinado à pesquisa histórica, profundamente dedicado à história
local de Travanca de Lagos, não pode deixar de fazer uma justa homenagem ao
benemérito Feliciano da Silva que, antes
de mais, sempre se empenhou na divulgação da cultura e costumes de Travanca,
contribuindo com as suas crónicas no jornal, A Comarca de Arganil, entre outros periódicos, ao longo de quase
meio século, sendo uma voz de Travanca no exterior. Ainda acresce o facto de
que, o primeiro documento de história sobre Travanca que li não ter sido de um
livro ou site de internet, mas sim um documento redigido pelo Sr. Feliciano da
Silva, resultado da sua pesquisa efetuada nos anos 70, na torre do Tombo.
Outros o poderão ter feito mas não com o seu espírito de partilha. Se tivesse
nascido umas décadas mais à frente seria porventura, também, um bloger ou teria
um site no mundo virtual dedicado à sua terra. Essa é a sua essência.
Quase a completar 88 anos de
idade(fig.2), não tem parado de nos surpreender com novos projetos, sempre com grande
jovialidade e uma presença simpática e de respeito em Travanca, transversal às
várias gerações. Divide a sua vida e coração entre Lisboa e Travanca, onde
passa longos tempos no período do verão.
Outrora,
precisamente nesses regressos à sua terra, foi o delírio das crianças do meu
tempo que, quando avistavam a sua carrinha Peugeot 504, de visita a Travanca,
logo corriam, fossem pobres ou não, com o intuito de receberem um brinquedo(fig.3).
Segundo diz o próprio, o Pai Natal vinha mais cedo… em Agosto. O Sr. Feliciano
trazia a mala cheia de brinquedos para distribuir pela criançada, pois era
proprietário de um grande armazém de brinquedos, em Lisboa, e não se esquecia
dos meninos da sua aldeia. Pena tinha eu, quando era criança, de nunca ter
recebido um desses brinquedos, pois o mês de Agosto era tempo de praia. Andámos
sempre desencontrados! Enfim, foi o regozijo das crianças nesse tempo em Travanca.
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fig.3 - Algumas crianças em Travanca aguardando pelos brinquedos, anos 70 |
A sua
vida, contudo, não foi fácil. Nasceu a 27 de Abril de 1930 no seio de uma
família de poucos recursos, numa Travanca feudal, conservadora, profundamente
religiosa e pobre. Filho de mãe solteira, chamada Maria dos Prazeres da Silva((fig.4),
conhecida apenas por Prazeres Malgas, irmã do, também benemérito, José da Silva
Garcia que deu o nome á rua onde ambos nasceram, numa casinha de esquina pobre.
Foi
criado até aos 13 anos pela mãe e pela avó, Piedade da silva (fig.5), que herdara o
apelido de Malgas da família da sua mãe, Ana da Silva, e que dizem ter origem nas características de seus olhos, comparados a malgas. Foi um matriarcado de 3 gerações, sem uma
figura paterna.
Teve
um irmão mais velho(fig.5), de outro pai, chamado José da Silva e com o qual manteve
toda a vida uma relação especial. A sua mãe era trabalhadora rural sem
instrução mas, segundo diz, era uma pessoa com grande sabedoria. Do seu pai,
que nunca o reconheceu como filho, não guarda rancor. A sua mãe e avó, que
tratava também por mãe, eram o seu mundo…
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fig. 5 - Piedade Malgas e o neto José da Silva |
Contudo, aos 13 anos, já com a 4.ª
classe, fez-se à vida partindo para Lisboa, sonhando com um futuro melhor. Foi
obrigado a crescer depressa e, de menino, se fez homem. À sua chegada estava o
seu tio, José da Silva Garcia. O seu primeiro emprego foi de empregado de um
estabelecimento comercial, uma pequena mercearia, onde também residia. Viveu e
trabalhou na casa dos patrões até aos 15 anos. Embora o tratassem bem, segundo ele conta, foram tempos muito difíceis, muito duros para uma criança.
Depois dessa mercearia viria a trabalhar em mais 3 ou 4 outras. Aos 16 anos iniciou-se como caixeiro de balcão, numa mercearia no Príncipe Real, o Pavilhão Chinês.
Depois dessa mercearia viria a trabalhar em mais 3 ou 4 outras. Aos 16 anos iniciou-se como caixeiro de balcão, numa mercearia no Príncipe Real, o Pavilhão Chinês.
Aos 18
anos foi caixeiro de praça, secção de papelaria como gosta de referir, da
empresa J. C. Assunção e, por fim, tornou-se vendedor. Hoje refere com graça “de aprendiz de merceeiro cheguei a caixeiro e depois fui vendedor”.
Aos 21
anos estabeleceu-se por conta própria, como armazenista, dizendo com orgulho
que o fiador foi o seu patrão, que muito estimava. Tornou-se, assim, proprietário
de uma pequena empresa que foi crescendo, transformando-se num grande
armazenista, na Rua Inácio de Sousa.
A sua empresa, Feliciano da
Silva, Lda., era um grande armazém, essencialmente de brinquedos, artigos de
praia, carnaval, artigos de papelaria fina, de prendas, cartões de boas festas
e postais ilustrados. Foi comissionista da firma Jerónimo Martins. Participou
em feiras internacionais em Frankfurt, Milão, Valência, etc., o que lhe
permitiu viajar por toda a Europa. Laborou durante 56 anos, tendo encerrado há
cerca de 10. A porta do seu escritório, essa, só a fechou há um ano. Sempre
acarinhou os seus empregados, sendo que alguns eram seus conterrâneos, de Travanca.
Foi o caso do Sr. António Brito, já mencionado neste blog a propósito dos craques
das primeiras equipas de futebol de Travanca, que trabalhou na sua firma 44
anos.
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fig.6 - .Feliciano com 22 anos |
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fig.7 - Maria Teresa , esposa de Feliciano |
Casou aos 24 anos com a mulher da sua vida, Maria Teresa da Silva, uma “Lisboeta de gema” (fig. 7). Nessa altura, decidiu dedicar-se em absoluto à família e ao trabalho, mas sempre gostou de viajar e nunca se esqueceu da sua aldeia. Tiveram duas filhas, Cristina Marques da Silva e Ana Paula Marques da Silva, que faleceu ainda jovem, a Paulinha dos seus versos, facto que foi muito marcante na sua vida. Diz ter tido um casamento feliz de 59 anos, embora os últimos 15 com a esposa doente e dependente. Hoje, viúvo, tem uma família alargada de 5 netos e 6 bisnetos que são a sua alegria, o seu jardim florido.
Como
católico devoto e membro da centenária Irmandade de São Pedro de Travanca, sendo atualmente
o seu mais antigo membro, tem participado ativamente na sua paróquia natal,
tendo sido com ele que a confraria recebeu em 1997 o selo branco do Vaticano, quando
comemoravam o aniversário dos 365 anos de existência ininterrupta.
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fig.9- Feliciano com o irmão José da Silva |
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fig.8 - Festas de São Pedro |
Detentor de um espírito sensível
e profundamente poético, começou a escrever poesia com apenas 16 anos. Até ao
seu casamento participou, também, em inúmeras peças de teatro de companhias amadoras, destacando-se a Companhia
de Teatro Amador da Acção Católica. Em todos os espetáculos que realizava
recitava sempre versos da sua autoria (fig.10). Ainda fez figuração em cinema, mas diz
com graça nunca ter aparecido em nenhum filme. Nessa época escreveu, também,
uma peça de teatro intitulada “Deus
Castiga” referindo, com orgulho, não ter tido qualquer reparo da censura.
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fig.10 - Feliciano declamando poesia |
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fig.11 - declamando poesias do seu 1.º livro |
Desde então, não mais parou de "cantar e espalhar por toda a parte" as suas dores, as suas paixões e aventuras. Resumidas em livro, em jeito de homenagem, em Julho de 2007 a Câmara Municipal de Oliveira do Hospital editou as suas primeiras poesias, com o título “Amor, ternura e Fantasia” (Fig.12). Seguiram-se mais quatro livros, todos com a chancela da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital.
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fig.12 - Amor, ternura e fantasia |
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fig.13 -Ao nosso semelhante dai um sorriso! |
O seu segundo livro, editado em 2011, veio a chamar-se “Ao nosso semelhante dai um sorriso”, com apresentação na feira do livro em Oliveira do Hospital (fig.13), e o terceiro foi lançado em Setembro de 2013, com o título “Amar não é só paixão”, que incluiu algumas das suas crónicas do jornal “A Comarca de Arganil”, com capa de Tiago Cerveira( fig. 14 e 15).
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fig. 16 - 4.º livro - O amor nunca esquece |
O quarto livro saiu em 2015 com o nome “ O amor nunca esquece”, capa também de Tiago Cerveira (fig.16), onde incluiu a sua peça de teatro criada em 1954, tendo o seu lançamento ocorrido na sede da recém-inaugurada Liga de Melhoramentos de Travanca (fig.17).
O seu mais
recente livro foi editado em 2017 e intitulado “O meu lindo Jardim Florido”(fig.18).
Foi, novamente homenageado, em 16 de Julho de 2017, desta vez pela Junta de Freguesia
de Travanca de Lagos, representada pelo seu presidente, o sr. António Soares, que lhe ofereceu uma placa alusiva ao momento (fig. 20), e pela
Irmandade de São Pedro, representada pelo juiz da irmandade, sr. Tomás Pedro, tendo-lhe sido oferecida uma imagem do santo padroeiro,
com uma dedicatória (fig. 19).
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fig. 20 |
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fig. 19 |
Todos os seus livros têm um fio condutor que os liga, a simplicidade, a sinceridade, o amor pela família, pelos amigos e por Travanca. São uma autobiografia, o espelho da sua dor e paixão. É um trovador de Travanca. A escrita é a sua voz e com ela tem sabido difundir a cultura e os costumes de Travanca e homenagear as figuras marcantes do seu tempo.
Viva o Sr. Feliciano da Silva!