Fig.1 – Igreja
paroquial de Travanca de Lagos |
A Igreja Matriz de Travanca de
Lagos, conhecida noutros tempos como Igreja de São Pedro de Travanca, é uma igreja paroquial que tem
acompanhado o seu povo ao longo da sua longa existência.
Classificada como Imóvel de Interesse Público desde
1960, pelo decreto nº43073, DG, i Série, nº 162, de 14-07-1960 (fig.2), foi já
sujeita a diversas obras de restauro e de melhoramentos ao longo dos seus
vários séculos de história. As duas últimas grandes intervenções terão sido,
uma, em 1898 patrocinada pelo travanquense Coronel António Rodrigues Nogueira
(fig.3) e, a outra, em 1973 custeada em grande parte pelo comendador António da
Costa Carvalho (ver artigo Anterior, 2 - Pessoas de travanca com
história - Comendador António da Costa Carvalho) e restaurada sob orientação da DGEMN.
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Fiz.2 –DR I Série- nº 162 , Classificação Fig.3 – Painel de azulejo no Batistério |
A sua origem crê- se pré nacional, primeiro, a julgar pelas sepulturas antropomórficas esculpidas no granito encontradas à sua volta, atualmente tapadas, que denotam um lugar de culto mais ancestral, (ver post. anterior: II - Época Alto-Medieval-Sepulturas Escavadas na Rocha) ” Em relação à associação entre o espaço funerário e o religioso, Travanca também é referido como um exemplo precoce dessa prática, contudo só no final da Alta Idade Média se observa a emergência dos Lugares e do Binómio Necrópole/Templo. A Igreja de Travanca construída junto ao espaço funerário mostra uma continuidade e ao mesmo tempo uma transição para a modernidade. Realce-se que esse mesmo espaço de enterramentos da Alta Idade Média se manteve para a mesma prática funerária, agora de cariz cristão, até meados do séc. XVIII, pois mais não é do que o Adro da Igreja, hoje assinalado por um cruzeiro construído nos primeiros quarteis do séc. XX.”, e, segundo, pela proximidade que dista da igreja Moçarabe de Lourosa, ambas a partilharem o mesmo orago ,o apóstolo de São Pedro, que denota uma relação e antiguidade.
No séc. XVI terá sido sujeita a um dos seus maiores investimentos e melhoramentos, pois remetem para o período Manuelino a datação do seu púlpito e do arco cruzeiro, com arco e fustes torsas, que dá acesso à capela-mor, embora pelo ornamento do arco pareça mais antigo, talvez moçárabe. (fig.6 a 10)

Fig. 4
– Vista geral do interior da igreja Fig 5
- Púlpito
Fig.6
- Arco Cruzeiro do Altar Mor Fig. 7
e 8 – pormenores do Arco cruzeiro
Fig. 9,
10 e 11 - Pormenores do Arco cruzeiro
Sabe-se pela leitura dos registos paroquiais de travanca de Lagos que a, já aqui descrita, Capela de São João Batista (fig.12), (ver post. Anterior - A despercebida capela de São João Batista), quando foi construída anexa e inserida na igreja matriz de Travanca, como uma capela particular da antiga família Álvares Brandão, por volta do fim do séc. XVI, já a igreja teria a sua configuração atual, a julgar pela arquitetura exterior da capela que mostra claramente ser um acrescento à nave principal, tornando-se saliente, bem visível do largo das campas (Fig.11). Poderão ser desta época as sobreditas obras de monta realizadas no séc. XVI. Portanto, teremos que recuar bastante no tempo até à igreja inicial, que seria com certeza um pequeno templo e que foi sofrendo melhoramentos e ampliações à medida que a sua população crescia e ganhava protagonismo na região. Os templos eram também o local primordial para os enterramentos cristãos, logo, teriam que providenciar espaço funerário para a população residente. Esta prática medieval só foi interrompida em 1835 por decreto de Rodrigo da Fonseca Magalhães, que instituiu a lei dos cemitérios públicos, obrigando a construção de cemitérios nos limites das povoações. (ver post anterior – O misterioso cemitério do Lameiro). Há registos desde 1580, uma espécie de sensos, decretado por Filipe I de Portugal e que obrigava o pároco a registar os nascimentos, casamentos e óbitos, por vezes com filiação e morada, que são os conhecidos registos paroquiais.
Fig. 12 –
Vista do alçado esq. da igreja e exterior da capela de S. João Batista Fig.13 – Vista interior do arco da capela de
São João Batista
Fig, 14
– Largo das Campas com o cruzeiro, capela de São João Batista e de frente, a enigmática casita das campas
Segundo a DGPC, Arquitetonicamente
a igreja denota uma certa rudeza e simplicidade que demonstra o seu caracter rural
setecentista, embora remetam a igreja original para o período medieval, contudo,
sem data específica.
Construída em cantaria de granito, caracteriza-se por
ter uma planta longitudinal de nave única, com capela-mor, uma sacristia, uma
capela lateral e um Baptistério adossados (fig.13). A cobertura é homogénea em
telhado de duas águas, com revestimento interno de madeira. O chão é em lajes
de granito, que serviam de tampas de sepultura. Desde 2018 foi revestido a
madeira. Exteriormente é rebocada e pintada de branco, excepto o soco, cunhais,
pilastras, cornijas,
as molduras dos vãos, os pináculos e outros elementos decorativos que são em
cantaria à vista.
Fig.
15 – Planta da igreja ao nível da entrada
A fachada é
composta por pilastras laterais coroadas por pináculos em forma piramidal com
esfera, termina em empena, encimada por uma cruz de cristo em pedra, ambos
assentes em plintos. Inferiormente,
apresenta embasamento alto, ao nível dos degraus que permitem o acesso à porta
principal, de verga curva e cornija saliente, sobrepujada por um nicho,
atualmente vazio (teria uma imagem de São Pedro), e um óculo polilobado. Ao lado esquerdo desenvolve-se o corpo
saliente do Baptistério com uma
pequena janela recortada encimada por cornija e coroada por entablamento e
sineira de dois arcos de volta perfeita, coroada por dois pináculos
triangulares e cruz de cristo ao centro (fig. 14). O campanário tem acesso por
uma escada na parte posterior do Baptistério, que também servia a entrada ao coro
alto que, após o restauro de 1973 pelo DGEMN, foi retirado (fig15). A fachada lateral do lado esquerdo,
virada para o adro e para a casa paroquial, tem uma porta e duas janelas. À
esquerda da porta existe uma escultura em granito assente em plinto, a
representar São Pedro, da autoria de Mário Figueiredo, um escultor da aldeia,
realizada nos anos 80 do séc. XX. A
fachada do lado direito tem 3 janelas e está voltada para o largo das
campas, nome que resulta de ter funcionado como adro da igreja e cemitério.
Atualmente está sinalizado por um cruzeiro (fig.. A fachada posterior tem um óculo no corpo rectangular da capela-mor
e uma janela no corpo da sacristia. O alçado posterior também termina em empena
encimado por pináculos em forma de pirâmide com concha e cruz de cristo ao
centro. A encimar o óculo tem um relógio embutido. A batida das horas
embalou-me durante muitas noites na minha infância. Já houve vários sistemas de
som, tendo sido completamente renovado em 2018.

Fig.16 – Planta dos alçados da igreja


Fig.17
– Igreja antes da intervenção de 1973, ainda se observa o coro alto Fig.
18 – Retábulo da capela-mor
O interior de
nave única, com quatro pilares de cantaria, um com o púlpito (fig.5), que suportam e definem o espaço e a capela-mor, esta com o seu arco
triunfal Manuelino que lhe dá acesso, onde surge um belo retábulo de talha
dourada, com várias esculturas (fig.18). Do lado esquerdo uma janela em fresta
ilumina o retábulo. Ao lado do cruzeiro existem outros dois bonitos altares de
madeira, retábulos colaterais de talha
dourada com varias esculturas também (fig.19 e 20)). Lateralmente aos
altares, duas janelas em bisel ou fresta permitem a entrada de luz indireta. Todos
os altares são de talha barroca, ao estilo Nacional, estando em risco de ruir,
necessitando de obras urgentes.
Fig.19
- Altar colateral direito Fig.20
– Altar colateral esquerdo
As
mesas dos altares colaterais são revestidas por painéis de azulejo, dos quais o
altar da direita ainda conserva um conjunto muito interessante de azulejos de
aresta moçárabes do séc. XVI, fabrico de Sevilha, com motivos florais e
geométricos de inspiração mudéjar. Pela mistura dos motivos e dos diferentes azulejos
do altar faz transparecer claramente que alguns têm uma proveniência de outros
locais da igreja, que houve reaproveitamentos. (fig. 21 a 26)
Fig.21,22
e 23- painéis de azulejo
Fig.
24,25 e 26 –Pormenores de azulejos de aresta com motivos florais
Fig.27
– Igreja de travanca, alçado lateral esquerdo, com vista para o Adro
Do lado direito da nave surge uma capela rectangular, aberta por arco
de volta perfeita, a sobredita capela de São João Batista. Do lado esquerdo da nave, de frente à capela, surge uma porta de
verga curva por onde se fazem entrar os fiéis, em alternativa à porta principal
e que dá acesso ao adro da igreja (fig.27). É ladeada por uma pia de pedra
lobulada, a lembrar uma tulipa, habitualmente preenchida com água, que os fiéis
usam para se benzerem quando entram na igreja (fig.29). Ao fundo da igreja, a ladear a porta principal estão duas pias de
pedra trabalhada, com o mesmo propósito da anterior. (fig.28 e 30)
Fig.28
– Interior da igreja com vista para a porta principal Fig.
29 – Pia junto a porta secundária
Ainda
ao fundo, à esquerda, abre-se a entrada para o batistério, que acedemos descendo uns degraus. O chão, paredes e
teto são em granito, de aparelho regular, sendo o teto em abóbada. Tem um
painel de azulejo a invocar a memória do Coronel António Rodrigues Nogueira,
que custeou em 1898 uma restauração da igreja. Ao centro destaca-se a pia batismal de pedra em forma de
concha assente em plinto, com tampa trabalhada em cobre. (fig.30)
Fig.30
– Batistério Fig.31
– Uma de duas pias que ladeiam a porta principal
A
sacristia, considerado o camarim e os bastidores da igreja, tem acesso exterior
pelo lado do adro. No seu interior uma grande comoda preenche o seu lado
direito e guarda uma coleção considerável de paramentos, assim como um recheio
considerável de estatuária, de madeira policromada, barro e pedra, bastante
antiga e valiosa. Tem duas portas, uma ligada à capela-mor e a outra dá acesso
ao antigo engenho do relógio e à retaguarda do retábulo, que serve também como
arrecadação. Tem uma janela virada para o alçado posterior da igreja. A parede
esquerda tem um lavatório com uma bela pia de pedra trabalhada num estilo
barroco. (fig.32)

Fig.
32 – Pia da sacrestia
A igreja
como se pretendeu demonstrar terá tido a sua origem num período anterior à
nossa nacionalidade, percorreu toda a época medieval, passou pelo Renascimento
e pelo período Barroco e chegou ao nosso tempo muito diferente da sua forma
inicial. Guarda por isso muitahistória
e muitas memórias por contar. Boas e más, como foi o caso do terrível período negro
da Inquisição ou da disposição discriminatória dos fiéis durante a missa, ainda
vigente no primeiro quartel do séc. XX ( ver art. Anterior – Pessoas de Travanca com história
– Luis Martins Borges , um homem determinado),mas também dias felizes de casamentos e batizados
que se realizam seguramente durante mais
de 600 anos. Em cada restauro vão se perdendo muitos pormenores, desaparecem
peças importantes, como é o caso da escultura ausente do nicho sobranceiro à
porta principal, do qual se desconhece o paradeiro. Nunca será demais referir a
importância da criação dum museu em Travanca com uma ala dedicada à arte sacra,
devidamente estudada, restaurada e preservada e que, embora se mantivesse
ligada à igreja, pudesse ser devidamente apreciada por quem se interesse pela
arte e pela história.