domingo, 3 de outubro de 2021

Travanca de Lagos na época Romana


Fig. 1 - Pôr-do-sol em Travanca

Este majestoso e deslumbrante pôr-do-sol de travanca terá com certeza já inspirado romances e poemas, assim como, o amor de muita gente que ao longo de centenas e centenas de anos já o contemplava com a mesma admiração e prazer que nós atualmente. No período romano toda a região de travanca estaria sob o seu domínio e quando por aqui perto fundaram a esplendidíssima civitas no séc. l a.c., na atual Bobadela, esta seria, sem dúvida, já uma paisagem inspiradora para o tempo de então. Esta foto intemporal podia representar uma pintura com mais de 2000 anos. Mas o tempo tem os seus caprichos e teima em apagar os vestígios de ocupação romana. Talvez debaixo de um manto de terra, mais ou menos profundo, estejam os tais elos do passado que tanto procuramos descobrir, unidades de povoamento rural disperso, vestígios de uma villa romana, de uns casais ou mesmo de uma estalagem, tesouros, como o que foi dado por encontrado em Meruge com 200 denáreos romanos e, quem sabe, até resolver o maior enigma da história da nossa região – encontrar o nome romano da Bobadela. Esse seria um grande passo para contextualizar toda a nossa região no período romano.

Fig. 2 - Bobadela

Não há certezas nem consensos entre os historiadores, apenas hipóteses levantadas, sobre qual das cidades romanas, mencionadas por Ptelomeu e por Plínio, ainda não atribuídas atualmente a nenhum território, se afiguram como a nossa Bobadela. Elbocoris, Velladis ou Verurium. Jorge Alarcão, entre outros historiadores que se têm debruçado sobre este assunto, inclinam-se para Elbocoris como o nome mais provável mas, não deixa de ser uma mera hipótese pois, à semelhança do que aconteceu com Ammaia, Sellium ou a civitas Igaeditanorum, que não aparecem na lista de Plínio, também Bobadela poderia estar ausente desse rol e portanto ter um outro nome qualquer. É portanto um grande mistério. Sabe-se contudo que foi uma cidade importante e influente. Foi capital de Civitas, termo que poderia ser entendido hoje como a sede de concelho mas com uma área mais abrangente, parecida à área de distrito.

Travanca dista da Bobadela apenas 2 Km em linha reta portanto, tendo sido Bobadela uma grande cidade, Travanca estaria dentro da sua área de influência periurbana ou suburbana, muito embora a hipótese de já ser um núcleo urbano independente na época é válida tendo em conta vestígios de ocupação humana continua na região. Também nas imediações de Travanca, a norte da vila de Midões, terra muito afamada e antiga, no Outeiro da Cumieira e de Santa Cruz, terá existido uma villa romana chamada de Nabril, onde foram encontradas estruturas, colunas de granito, cipos e moedas ( Jorge de Alarcão – A paisagem rural Romana e Alto Medieval em Portugal), actualmente integrada na Quinta das Moitas.

Fig. 3 - Mapa das áreas dos vestígios romanos encontrados

Por Travanca têm-se encontrado muitos vestígios romanos dispersos em pequenas quintas (fig.3, área 1), sobretudo fragmentos de cerâmica, tanto de armazenamento, como são exemplo disso os Dolia Dollum, aparecendo fragmentos de fundo e do bordo (fig.17,18,e19), como também cerâmica utilitária, no caso, fragmentos de cerâmica de grés e de terra sigilata (fig. 12), de Lateres de construção, bem como lateres de cobrimento, imbríces e tégulas (telha romana)( fig.4,5,6,7,e 8), mas também, fuseólas (fig.10 e 11), ou ainda pequenas mós que habitualmente aparecem à superfície quando se lavram os terrenos. É um vestígio luso romano abundante no nosso país, conhecido como moinho rotativo manual, diferencia-se do moinho de vaivém, também de pequeno formato, ainda do período neolítico, por ser constituído por dois elementos de igual diâmetro, o inferior, chamado dormente, mais robusto e por isso também o mais encontrado ( fig.19,20,21,22 e 23), e a superior ou girante(fig.24), geralmente com buracos que o torna menos resistente. Grande parte destes achados distam pouco entre si apontando para um possível povoamento rural disperso com ocupação romana ou uma possível estalagem romana ou mesmo uma villa romana, tantos são os vestígios encontrados em tão pouco espaço, contudo não foram encontrados tesselas tão características das villa romanas (fig. 3, área 1).

Fig. 4,5,6 - Fragmentos cerâmicos dispersos

 
Fig.7 e 8 -  Fragmentos dispersos           Fig. 9- Um prospeção num terreno em 2013

         

Fig. 10 e 11 - Fuseóla                                           Fig. 12 - cerâmica terra sigilata

Fig.13,14,15 - Cerâmica utilitária

Fig. 16,17,18 - Cerãmica de armezenamento, fragmentos de bordo de dolia dollum

Fig. 19,20,21 - Moinho rotativo manual, componente inferior ou dormente

Fig. 22 e 23 - dormentes                                  Fig. 24 - componente superior ou girante

Fig. 25 - Moinho rotativo manual completo

Um outro vestígio muito comum que de alguma forma ainda vai resistindo ao tempo são as calçadas ou vias romanas. Em Travanca foram identificadas duas parcelas, uma a ladear a Quinta da Via de Lagares (fig.3, ponto 2) e (fig.28,29 e 30), à saída de travanca, atualmente subterrada estando a componente de Lagares identificada e à vista, fazendo parte de uma provável via de ligação de Bobadela a Viseu (fig.3, ponto 1) e (fig.26 e 27) A outra parcela, uma calçada, encontra-se no Zambujeiro fazendo parte de uma ligação entre Vendas de Gavinhos e Travanca, encontrando-se em mau estado, com sobreposição em cimento (fig.3, ponto 3) e (fig 31 e 32). Há o relato de uma possível terceira calçada no meio da povoação, estando coberta há muitos anos por calçada contemporânea (fig.44).

Fig. 26 e 27 - Calçada romana em Lagares da Beira

Fig. 28,29 e 30 - Calçada junto à Quinta da Via

Fig. 31 e 32 - Calçada no Zambujeiro

Outro elemento habitualmente identificado como sendo romano são as fontes de chafurdo ou de mergulho, em que a água situada num nível inferior ao solo é retirada com a própria vasilha que era mergulhada no poço. Estão protegidas por uma abóbada com arco de volta perfeita, semicircular, talvez, também por essa razão, essa arquitetura remeta para o período romano. Foram sendo utilizadas até ao início do séc. XX, mas as epidemias de febre-amarela nos séc. XVIII e XIX e de cólera no séc. XX, bem como o avanço da ciência forçou o seu abandono, tendo sido substituídas pelas fontes de bica ou chafarizes. A sua datação é difícil pois a técnica de construção foi sendo replicada ao longo dos séculos. Em travanca existem duas fontes de chafurdo e uma terceira em Andorinha. A fonte do outeiro (fig. 33 e 34), de construção mais simples mas obedecendo às características descritas e habitualmente conotada com o período romano. A outra, a fonte Arcada (fig. 35 a 38), maior e mais complexa, já sujeita a várias reparações e restauros ao longo dos tempos, a mais recente na última década (fig. 38), o que poderá dificultar a sua datação, parece contudo ser do período medieval. A esta fonte estão associadas muitas histórias e práticas místicas. Contam os antigos que a água desta fonte curava todos os males. Vinham pessoas de vários lugares e terras e ali se deslocavam na primeira sexta-feira depois da lua nova, antes do sol nascer, e que á luz de uma candeia de petróleo eram sujeitos a algumas práticas, geralmente realizadas pelo barbeiro, com a crença da cura de todas as suas maleitas. Uma das práticas, conhecida por “cortar o ar ”, tinha o intuito de curar a falta de apetite e consistia num pequeno golpe atras da orelha feito com a faca de barbeiro, e depois lavavam-se na sua água da fonte milagreira. Ainda existem pessoas em travanca que testemunham essa prática até aos finais dos anos 70, mantidas pelo Sr. Adelino barbeiro e por fim o Sr. Manuel barbeiro, como eram conhecidos. A fonte de Andorinha (fig. 39 e 40), fotografada em 2006, estava já bastante degradada. A sua arquitetura é muito parecida com a fonte do Outeiro, provavelmente são do mesmo período.


Fig. 33 e 34 - Fonte do Outeiro

Fig. 35 e 36 - Fonte Arcada  em 2006


Fig. 37 -  Fonte Arcada  em 2006                 Fig. 38 -  Fonte Arcada, após obras de requalificação


Fig. 39 e 40 - Fonte em Andorinha

Outro elemento que se referencia com a presença romana são as colunas de granito, dispersas pelo povoado, umas mantendo a sua função, outras como simples pedras de construção das casas que destoam das demais pelo seu formato redondo (fig.47 e 48), ou ainda servindo como bancos de jardim (fig. 46) ou á porta das casas. Geralmente são bastante toscas à excepção de uma pequena coluna, ou parte dela, trabalhada com um padrão invulgar (fig.45). A origem destas colunas pode ser de travanca ou trazidas da Bobadela e poderão ou não remontar ao período em questão.

Fig.41- Patio da antiga casa da familia Álvares Brandão Fig.42 e 43- Fragmentos de colunas dispersas na rua Benemérito José da Silva Garcia

Fig. 44 - Rua Benemérito José da Silva Garcia

Fig. 45 -Pátio da antiga casa da familia Pinto de Brito      Fig. 46 - Jardim da Junta de freguesia

Fig. 47 e 48 - Casa anexa à junta de freguesia     Fig. 49 - Museu Falcão de Brito

Fig. 50 e 51 - Alpendre da antiga casa da familia Soares da Costa Freire Fig.52 -Museu Falcão de Brito

Falta falar das pontes, tão características deste período romano. Na freguesia existem duas bastante antigas e rústicas que atualmente não servem nenhuma via importante, apenas caminhos entre quintas, o que as torna bastante enigmáticas por esse motivo. O seu aspeto e imponência fazem referencia-las como romanas, mas não há evidencia que sejam, talvez medievais. A ponte da Pantera em travanca (fig. 53 e 54), já aqui descrita noutro artigo, e a ponte das Roçadas em Andorinha (fig.55 e 56), ambas a necessitar de obras de restauro.

Fig. 53 e 54 - Ponte da Pantera, em Travanca de Lagos 

Fig. 55 e 56 - Ponte das Roçadas, em Andorinha

Continuaremos na incerteza quanto à fundação de Travanca, se fundada em época romana ou sobre um povoado lusitano. Algumas evidências apontam para a existência de povoamento rural disperso com ocupação romana mas dentro da zona histórica de travanca ainda não houve, para além das colunas dispersas, achados significativos da presença romana. Lusitana ou romana, esse será um mistério que irá perdurar até que se encontrem evidências concretas da sua fundação. Por isso é tão importante não destruir os vestígios e preservar o património edificado pois fazem parte do ADN dos Travanquenses e seguramente guardam elos do passado.

Era interessante a criação de um espaço museológico em Travanca que pudesse ir reunindo os achados mais importantes na comunidade e que pudesse representar o que se vai descobrindo da história da aldeia, quer deste período romano em particular, havendo, para tal, abertura para cedência de peças importantes por parte, por exemplo, da família Falcão de Brito, quer dos vestígios judaicos descobertos nos últimos anos, dispersos pela aldeia, sendo travanca talvez a Terra mais representativa desta época em todo o concelho de Oliveira do Hospital, podiam ser expostos, e ainda, a inclusão duma ala para expor arte sacra, pois travanca possui um património bastante valioso, também a este nível, que deveria ser devidamente restaurado e mostrado. Um museu da história de Travanca, ou de travanca com história ou eventualmente com um nome ligado a uma figura de Travanca. Fica lançado o desafio, haja alguém que pegue na ideia e a torne uma realidade para o bem te todos…


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