quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Figuras do meu tempo

 

Fig. 1 - Tonito Estoira

O Tonito Estoira, nome pelo qual era conhecido, para quem foi da minha geração, dispensa apresentações. Faz também parte das figuras incontornáveis dos últimos anos, e também um amigo. Tinha um jeito simpático de ser e de receber. A sua voz, embora carregada, muito rouca, era sempre acompanhada por um sorriso ou uma piada.

Sempre de pirisca ao canto da boca e um tintinho por perto, tinha sempre uma palavra amiga, era um brincalhão! Eu e o meu irmão tínhamos uma brincadeira comum com ele, que era empurrarmos o seu boné para trás, ou para a frente sempre que o víamos…ele não levava a mal, tentava agarrar o boné para não cair e respondia de imediato - ah! Galego! Traita…

Certo dia, estava ele nas escadas da igreja ao pé do cepo do Natal em brasa, com muita gente á roda e o meu irmão, à socapa, manda lhe a boina ao chão, que cai ao pé da fogueira, ficando chamuscada. Levou a coisa na brincadeira, como sempre, mas sempre que via o meu irmão dizia que lhe devia uma boina! Comigo aconteceu outra coisa. Ele tinha um isqueiro de petróleo, antigo, que troquei com ele por um eletrónico. Cada um pensou ter feito um bom negócio, eu porque fazia coleção de isqueiros e ele por ser uma coisa moderna mas, o meu rapidamente deixou de funcionar e ele chateava-me sempre que me via – Ah! Galego, ainda me deves um isqueiro!


quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Figuras do meu tempo

 

Fig. 1 - Maramar

MAR A MAR

Se há uma figura típica de travanca de Lagos, bem impressa na minha mente, do fim da década de 70 e inícios dos anos 80, foi este senhor, o MAR A MAR. Conhecia-o desde a minha infância, aliás, temia-o, eu e todas as crianças desse tempo! Era uma figura imponente, parecia um gigante aos olhos de uma criança, e as suas feições que, quando se dirigia a nós, numa espécie de sorriso engelhado, com os olhos semicerrados, proferia um estrondoso berro como se estivesse a mandar um foguete ou um morteiro, ou então, estivesse a cair uma rajada – três! Pum! Pum! - e a criançada fugia a sete pés!

Só lhe conhecia a alcunha. Lembro-me da sua figura, vestido de escuro com o chapéu na cabeça, meio desengonçado e um guarda-chuva às costas na albarda, a subir lentamente e com alguma dificuldade estrada acima em direção ao Zambujeiro, às vezes com a sua pasteleira a servir de bengala, bastante embriagado, seu estado normal à noite, que, suspeito, durante o dia fosse um homem atinado e trabalhasse nas obras, como pedreiro ou servente. Mas ao fim do dia de trabalho descia ao Povo para apanhar a piela do costume e, pelo caminho, assustar a miudagem!


Fig. 2 - Zambujeiro 2009

Há medida que fui crescendo deixei de o ver ou simplesmente deixei de dar importância àquela personagem que ficcionara e temera. Acho que nunca lhe tinha falado, até que, em 2009 fiz as pazes com a minha infância. Aproveitando uma visita ao Zambujeiro, passei por ele de carro e parei. Falei -lhe por breves momentos, era afinal simpático e afável. Rimo-nos e tirámos umas fotos que aqui deixo como testemunho do nosso encontro.

Agora sei, chamava-se Mário dos Santos, foi realmente pedreiro, e vivia no Zambujeiro. Era da família do histórico autarca de travanca e meu amigo, o senhor Tomaz dos Santos Pedro, que me confirmou o problema grave do seu tio com o alcoolismo e alguma violência associada, que culminara com o internamento e desintoxicação no hospital Sobral Cid, em Coimbra. Quando regressou à Terra, já não bebia, passando a residir no Lar de travanca, tendo sido um dos 5 últimos utentes antes do seu encerramento. Faleceu em 2013, em Avô, para onde foi transferido depois do fecho do lar de travanca. Lar , que nos faz falta!