segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A despercebida Capela de S. João Batista



A Capela de S. João Batista é uma capela particular da antiga família Álvares Brandão de Travanca de Lagos. O seu vínculo foi instituído por João Álvares, natural de Travanca de Lagos, casado que foi com Beatriz Fernandes em 1576, que terá patrocinado a sua construção por volta do fim do séc. XVI.
A particularidade desta capela reside no facto de se inserir dentro da Igreja Matriz de Travanca de Lagos, numa nave lateral, que corresponde a um acrescento que se torna saliente e se nota do Largo das Campas.








O seu interior, de aspecto rude e degradado, sem ornamentos, separa-se da igreja por um arco em cantaria imponente, bastante aberto, mas simultaneamente, fecha-se com um gradeamento que lhe rouba qualquer protagonismo. Existe também uma imagem renascentista de S. João Batista que lhe é atribuída, provavelmente doada pelo seu 1º instituidor, João Álvares.














Esse vínculo, que liga a família Álvares Brandão à capela, foi passando de geração em geração até à actualidade, embora hoje não tenha o cariz de outrora.


Segundo os registos paroquiais de Travanca, a capela era conhecida também por capela de Leonardo Álvares, o seu 2º instituidor e que lá foi sepultado em 1660, mas provavelmente o nome foi mudando ao longo dos séculos na medida em que mudava o nome do detentor do vínculo da capela. Actualmente é conhecida, pelo meio mais esclarecido, como Capela do Esporão, pela mesma razão.


Durante mais de 3 séculos foram lá realizadas as cerimónias fúnebres da família, até à entrada em vigor da lei dos cemitérios públicos, estando no chão sepultados os seus Instituidores falecidos e alguns dos seus familiares. Ficam descritos de seguida os Instituidores e respectivos cônjuges, com as datas” possíveis”, que terão sido sepultados na capela ( pelo menos até à 6ª geração):


1º - João Álvares, nascido por volta de 1550, casado com Beatriz Fernandes, em 1576.


2º - Leonardo Álvares Seco, nascido cerca de 1590/1600, casado com Maria da Costa em 1623, Ele faleceu em 1660, ela em 1655.


3º - Ana Maria da Costa Brandão, nascida em 1628,casou com Domingos Álvares Brandão em 1652.


4º - Maria da Costa Brandão, nascida em 1659, casou com António Monteiro em 1683 e faleceu em 1730.


5º - Ana Maria da Costa Brandão, nascida em 1685,casou Manuel Abranches Freire em 1710 e faleceu em 1717.


6º - Manuel Abranches Brandão Freire, nasceu em 1712, casou com Maria Cardoso Ferrão da Fonseca Castelo Branco em 1735.


7 - Inácia Maria Freire da Cunha Cardoso e Andrade, nascida em 1739, casou com Dr. João Libório de Figueiredo em 1760.


8º - Maria Bernarda Freire da Costa Brandão, nasceu em 1740, casou com Narciso Sousa Machado em 1757.


9º - Bernarda Umbelina Cardoso Freire da Cunha e Sousa, nascida em 1758 em Midões, casou com Sebastião Tavares Pinto Albuquerque Freire Castelo Branco em 1778.

domingo, 24 de julho de 2011

A enigmática Capela de São Pedro






Hoje em dia Travanca, mais concretamente a sua zona histórica, surge-nos como um postal antigo, ainda original (dirão uns), um pouco decadente e desabitada (dirão outros), decerto muito antiga, mas, é uma ilusão pensar na sua originalidade intemporal - não foi sempre assim.



Por detrás desse postal antigo, encontra-se um mais antigo e outro ainda, esse, quase sem vestígios que justifiquem já a sua existência. Procurar vestígios que nos levem a outros quadros que não os da actualidade é sempre um grande desafio e representa um dos principais desígnios deste blog.

Travanca reinventada ao longo dos séculos perdeu património, talvez demasiado, que nos impede hoje de perceber melhor o nosso passado comum, sem lacunas no tempo. Hoje em dia pretende-se embelezar a fotografia, substituindo calçadas antigas medievais por novos pavimentos e abatendo casas antigas, embora algumas bastante degradadas, em vez de as preservar. Mantêm-se a tendência do passado, agravada pelo facto de hoje haver a consciência da importância que o património tem na sobrevivência das aldeias do interior, como é o caso de Travanca.






Um desses monumentos que se perdeu algures no final do séc. XIX, e que é motivo do presente artigo, foi a Capela de São Pedro, assim referida nas escrituras, uma capela já desconhecida do nosso tempo, e que apareceu como uma "ponta solta", inexplicável, ao se investigar o cemitério do Lameiro.


A 1ª vez que a capela vem referida nos registos paroquiais data de 1650, e era usada então, para entre outros serviços religiosos, para serviços fúnebres, tendo sido lá realizados enterramentos até cerca de 1835, altura em que entrou em vigor a lei dos cemitérios públicos, terminando assim quase 200 anos de enterros na capela. Custa portanto aceitar que na altura da sua destruição, os edis da Terra não tenham tido isso em consideração.



Mas provar a sua existência ou até a sua localização parecia impossível. Partia com três possibilidades: - 1º ser uma capela dentro da igreja de Travanca, à semelhança da Capela de Sªº João Baptista; 2º ser a Capela de S.to António, situada no Fundo do lugar, e que teria mudado de nome/ apóstolo (muito pouco provável), ou por último, ter mesmo existido uma capela de S. Pedro algures por Travanca.



O impasse foi superado quando numa conversa fortuita com um amigo de Travanca, ele me revelou que a sua família era fiel depositária do sacrário da bendita capela. O Sacrário, também chamado Tabernáculo, é o Local ou reservatório onde se guardam coisas sagradas, como hóstias ou relíquias. A ilustre família de Travanca, a quem eu estou muito agradecido, amavelmente mostrou-me o bonito e bem conservado sacrário e revelou-me também a história que o acompanhava. Referiram que a peça sacra lhes veio por herança de um tio que a guardou quando a capela foi destruída.
















A capela estaria em risco de ruir e foi  infelizmente demolida. No seu local foi criado um pequeno jardim e edificado um cruzeiro, como testemunho de um lugar sagrado. Situar-se-ia em frente ao largo da Igreja, à esquerda da Casa paroquial.

Quanto à data da demolição da capela, não há certeza, mas, é de referir, que as reuniões de tomada de posse dos órgãos de direcção da Irmandade de São Pedro, foram sendo realizadas dentro da capela até ao ano de 1887, data a partir da qual as reuniões se passaram a fazer noutros locais, como por exemplo, a sacristia da igreja, assim vem descrito nos livros da Irmandade.

Resta-me referir que o uso da capela pela Irmandade como se de uma "sede" se tratasse é uma possibilidade, podendo ter sido construída pela Irmandade ou por algum irmão abastado. A Irmandade de São Pedro foi constituída e os seus estatutos aprovados em 1632, sendo comum naquele tempo a edificação de um templo onde pudessem prestar a devoção ao seu santo patrono.

Efectivamente, no Dicionário Geográfico de Portugal, Vol. 37, nº97, p. 1049 a 1054, em Memórias Paroquiais de 1755, vem descrito que a  referida capela, pertença do povo, tem a sua Irmandade e confraria e que é administrada pelos irmãos e confrades. 
Fica  assim esclarecido o enigma da existência da capela de São Pedro, embora, o tema ainda careça de novas investigações, nomeadamente, para esclarecer a relação com a Irmandade e a sua localização precisa.

sábado, 13 de novembro de 2010

Poesia e Património V




FONTE DE ENCANTOS


Fonte de água limpa, pura
Tantas vezes provada…
Cântaros de barro poisados, esperando
Em composição simulada.

Mulher de rosto fingido, em fuga
À sua vida destinada…
Cântaro cheio, transbordando d’água
Torna a ausência notada.

Amores, tragédias, paixões,
Oh Fonte dotada, inspiradora
De namoro aliada,

Consegues levar mulheres
A superar a vida pasmada!
Oh Fonte nossa antepassada

Deste vida nova,
Desta vida passada!

E a água sempre cristalina, pura
Sem dar por nada…

JCDuarte /010

domingo, 24 de outubro de 2010

Fotos antigas - Baptizado



Travanca de Lagos no pós-guerra. Um dia solene e também um dia de fartura a contrapor ao dia-a-dia de austeridade.

domingo, 17 de outubro de 2010

O misterioso Cemitério do Lameiro


Existe uma cruz de ferro, chumbada numa pedra tosca de granito, ocasionalmente visível num mato exuberante, que assinala um terreno sagrado, segundo se diz. O povo confirma-o, não por que conheça algo que o comprove, mas porque faz parte da sua memória colectiva. Todos são unânimes em dizer que aquele pedaço de terra no Lameiro foi em tempos o cemitério de Travanca. Ainda a corroborar essa história há o facto dessa pequena parcela de terreno ainda hoje pertencer à igreja.

A contrastar com o possível passado sagrado do referido terreno está o actual estado de abandono, a que constantemente é votado. Falta repor a sua dignidade procurando os factos históricos. Caso tenha sido um cemitério, que esclareçam as circunstâncias da sua criação e também do seu abandono

Objectivamente, tirando a referida cruz, o terreno não parece ter as características de um cemitério. Não tem um muro organizado que o delimite, nem nunca parece ter tido. É uma pequena elevação de terreno de forma triangular, rodeado por um lameiro, sem capacidade de ampliação. Portanto, tudo leva a querer que poderá ter sido um cemitério de recurso, talvez o 1º cemitério de Travanca de Lagos.



A prática dos enterramentos em cemitérios é relativamente recente, sendo a forma mais comum o enterro dentro dos templos ou nos adros das igrejas, modelo este que estava profundamente enraizado no Ocidente cristão desde a Idade Média. A mesma situação se passava na freguesia de Travanca, havendo assentos de óbito a partir de 1583 que referem exactamente essa prática. Concretamente, sepultavam os seus mortos dentro da igreja dando, às vezes, a sua localização, como é o caso de um assento em 1586 onde escreveram sepultada perto do alpendre, ou outro já mais tardio, que escreveram sepultada à porta principal desta igreja, ou ainda, enterravam no adro da igreja ou Adro de São Pedro. Cerca de 1650 começa também a aparecer a designação de capela de São Pedro. Por volta de 1700 mantêm a mesma prática, mudando apenas alguns nomes, ou seja, na Igreja de São Pedro ou no Alpendre de São Pedro ou ainda também na Ermida de São Pedro. Ao longo de todo este periódo foram sendo também enterrados na Capela de São João Batista, que fora uma capela instituída por João Alvares em finais do séc. XVI e que se situa dentro da igreja de Travanca, havendo vários registos de óbito ao longo dos séc. XVI e XVII até cerca de 1752 que o comprovam. Obviamente que apenas lá eram sepultados os instituidores e os seus descendentes. Os enterros no adro deixaram de se fazer por volta de 1722.


No séc. XVIII esta prática medieval de enterrarem os defuntos começa a gerar discussão. De facto, a necessidade de criação dos cemitérios públicos em Portugal vem descrita já desde o terramoto de 1775. As pessoas mais esclarecidas da época chamavam à atenção para os riscos para a saúde pública dessa prática de enterramento nas igrejas. A 1ª legislação sobre esta matéria foi da autoria de Rodrigo da Fonseca Magalhães, Ministro do Reino e curiosamente natural de Midões, que institui especificamente, pelos decretos de 21 de Setembro e de 8 de Outubro de 1835, a obrigatoriedade de criação de cemitérios públicos fora das povoações.




Mas, para surpresa nossa, muito antes dessa legislação entrar em vigor já tinha sido criado um cemitério em Travanca. Curiosamente, foi em 13 de Julho de 1811, em plena invasão Francesa, que o prior João Ferreira Machado e Silva procedeu pela 1ª vez a um enterramento no Cemitério, a que ele apelidou simplesmente de cemitério, sendo o defunto Jacinto de Abrantes, marido de Tomasia Maria, ambos de Travanca. Apenso aos registos da época está uma carta onde o prior pede autorização eclesiástica para esta nova prática de enterramentos, justificando-a com a falta de espaço nos dois templos existentes, a igreja e a capela, provocada por uma epidemia de Febre Maligna que assolou a freguesia. De facto, entre Outubro de 1810 e 27 de Outubro de 1811 faleceram 66 pessoas, o que determinou na altura essa medida extraordinária.


Mas, reposta a normalidade, o cemitério não foi desativado. A partir dessa data, os enterramentos foram sendo feitos indiscriminadamente, quer na igreja quer na capela quer no cemitério. Em 1835 quando a lei da criação de cemitérios fora das povoações entrou em vigor, o cemitério de travanca (do Lameiro), já estava em uso há 24 anos, foi provavelmente aproveitado como um local de transição para um novo, visto que ele era demasiado pequeno para servir como único local de enterros. Começou então a ser referido nos registos como o chamado cemitério da freguesia, justificando dessa forma a existência de um e cumprindo portanto a lei. A 1ª vez que assim foi tratado foi em 4 de Outubro de 1835, a propósito do falecimento de José Marques Neto Júnior de Travanca, coincidindo com a entrada em vigor da nova legislação.


A partir de 2 de Fevereiro de 1839 voltou-se a chamar cemitério da freguesia ao local de enterramento dos defuntos, embora se creia que se referissem já ao novo cemitério de Travanca de Lagos entretanto construído, levando o do Lameiro à sua situação actual. Durou, portanto, cerca de 28 anos ao serviço da freguesia e como não existe nenhum culto associado a ele que perdure, crê-se que terão transladado as sepulturas remanescentes para o novo local. Fica assim resolvido o mistério do Cemitério do Lameiro, também conhecido como Cemitério Velho e conhecida a sua história, complementando assim a memória colectiva do povo de Travanca .

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

1 - Pessoas de Travanca com história - Manuel da Silva


Morreu novo, provavelmente assassinado por vingança, quando passava para a feira dos Carvalhais, perto dos Fiais da Beira, corria o ano de 1842. Segundo Joaquim Martins de Carvalho, em Novos apontamentos para a história contemporânea, a sua morte foi pública e os assassinos foram identificados como sendo António Brandão, o Velho, e o seu sobrinho Manuelzinho. Pertenciam ambos ao Bando dos Brandões de Midões, inimigo figadal do bando dos Brandões do Casal, do qual Manuel da Silva era um sicário.

Foi nesse tempo conturbado das guerras liberais, em que o país estava a ferro e fogo, que ele viveu. A nossa região da Beira Alta era particularmente violenta, tendo-se mantido assim muito tempo para além de terminada a questão liberal. Em nome da política cometiam-se roubos e crimes violentos, assassinatos e vinganças que ficavam sem punição - era a lei da bala!

Quanto aos "feitos" de Manuel da Silva existem poucos relatos escritos, mas sabe-se que participou seguramente em muitas aventuras com os Brandões, primeiro hasteando a bandeira do Liberalismo e mais tarde também, levantando a bandeira do Banditismo. Individualmente foi-lhe atribuída a horrorosa morte do vigário do Ervedal, juntamente com as criadas e mãe. Só 22 anos mais tarde é que se apurou a verdade - tinha sido acusado injustamente- o vigário fora morto pelos próprios irmãos. Esteve também envolvido no cerco ao Bando do Caca, capitaneando como paisano um grupo de civis de Travanca , juntamente com outros paisanas e demais civis e autoridades da época, naquela que seria conhecida como a Matança da Páscoa.

O lendário João Brandão tinha ainda só 16 anos quando Manuel da Silva foi morto, a 29 de Agosto de 1842, vindo descrito na sua certidão de óbito que era casado com Ana Vaz e moravam em Travanca de Lagos. Deixou um filho, que se chamava Luís da Silva, que poucos anos depois foi também assassinado à porta da igreja de Travanca por Paulino José da Costa, de Lagares. Vem assim descrito em Os assassinos da Beira: -" Na povoação de Negrelos, freguesia de Travanca, existia um fulano Ferrão, cunhado de Luís da Silva, o qual, por causa de bens, matou aquele dentro de Negrelos, imputando o facto a Paulino. Este, sobrinho do então pároco de Travanca, num Domingo, quando o povo estava reunido para ouvir a missa, duma janela de casa do tio perguntou a Luís da Silva: - Ó F., quem matou o Ferrão? Silva , voltando-se, disse: - Eu já lhe respondo; e encaminhando-se para casa, que era perto, para, supôs-se, ir buscar a clavina, é passado por uma bala à vista do povo! E ninguém gritou contra o matador!" Assim reza a história.