sexta-feira, 22 de junho de 2018

4 - Pessoas de Travanca com história



Doutor Basílio Freire
                    - Uma breve homenagem


Fig. 1 – Reprodução de quadro a óleo sobre madeira, de Basílio Freire, existente na biblioteca de Anatomia da FMUC.

Chamava-se Basílio Augusto Soares da Costa Freire e foi um prestigiado médico, professor catedrático de Anatomia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, dos finais do séc. XIX. Nasceu em Travanca de Lagos, a 7 de Maio de 1857, há precisamente 161 anos, vindo a falecer de forma inesperada com cerca de 70 anos, em 7 de Janeiro de 1927, quando saía de sua casa, situada no Penedo da Saudade em Coimbra, com destino à sua aula de anatomia. Segundo consta das notícias da época, na Gazeta de Coimbra (fig.2), foi uma morte muito sentida pela população de Coimbra, por todo o Corpo da Universidade, pelos alunos e pelos seus discípulos. Deixou duas filhas, uma casada com o Dr. Caeiro da Mata, que viria a ser Ministro de Salazar, e outra casada com o Dr. Álvaro de Magalhães, advogado no Porto.

Fig. 2 – Gazeta de Coimbra de 27 de janeiro de 1927


Era Filho de uma família tradicional de Travanca de Lagos de proprietários de prestígio, a família Soares da Costa Freire, que descendiam dos Soares Coelho, Morgados de Andorinha. O seu pai, Luís Augusto Soares da Costa Freire, natural de Travanca, faleceu com 49 anos, tinha o Dr. Basílio apenas 3 anos de idade. A sua mãe, Maria dos Prazeres da Costa Freire Castelo Branco, era natural de Nogueirinha, Meruge. Também os seus Avós paternos, Manuel Soares Coelho da Costa Freire e Teresa Bernarda Soares, eram de Travanca. Por curiosidade, refira-se que, a sua avó, falecida em 1853, ainda ele não tinha nascido, foi sepultada na desaparecida capela de São Pedro, já aqui referenciado num artigo anterior, num período em que já não eram permitidos enterros em igrejas ou capelas há mais de 20 anos. O seu avô materno, António da Costa Freire Castelo Branco, era de Midões e a sua avó, Maria Teresa de Jesus Emília de Miranda, era de Nogueirinha, Meruge, tal como a sua mãe.

Fig.3 – Casas da família Soares da Costa Freire (onde também viveu a irmã do Dr. Basílio, Maria do Carmo).


Era primo direito da Dona Amélia Soares de Albergaria, a matriarca da Quinta das Hortas já referida no artigo sobre essa quinta. Teve duas irmãs, uma chamada Amélia Soares da Costa falecida prematuramente, com 25 anos, casada com Elísio Mendes Borges e outra de nome Maria do Carmo Soares da Costa, que casara com Diamantino Marques Neto, da família Costa Pereira de Travanca, também já mencionado num artigo a propósito da tuna de Travanca. Viviam todos perto da Fonte de Baixo, entre as Quelhas do Loureiro e o Outeiro.

    

Fig.3 – Portão de entrada da provável casa dos avós do Dr. Basilio. Fig.4 – Casa onde nasceu o Dr. Basílio Freire (construída em 1846).


Ainda novo, foi estudar para Coimbra. Em 1875 estava matriculado em Filosofia e Matemática e em 1879 matriculou-se em Medicina, que veio a terminar em 10 de Abril de 1886. Nesse ano, apresenta a sua dissertação de Doutoramento subordinada ao tema ”Os Degenerados”, uma obra dedicada à loucura e à Psiquiatria (fig. 5 e 6). Três anos mais tarde, em 1889, apresenta a sua dissertação de concurso na Faculdade de Medicina, para professor de Anatomia, com o estudo de Antropologia Patológica “ Os Criminosos”, obra dedicada ao crime e à criminologia (fig. 7 e 8). Ambas as suas publicações, bastante relacionadas entre si e amplamente referenciadas no âmbito forense, refletem uma nova visão sobre o crime e a loucura, uma abordagem positivista da antropologia criminal, estando na base da criminologia moderna em Portugal.


 
Fig. 5 e 6 – Tese de Doutoramento em Medicina “ Os Degenerados

  
Fig. 7 e 8 – Tese de concurso à Candidatura para professor de Anatomia da FMUC “ Os Criminosos”.

Cedo iniciou a carreira de professor de Anatomia, primeiro como professor substituto da Cadeira de Anatomia Descritiva e Comparada, em 1889, depois como Lente, em 1893, e de 1912 a 1925 foi Professor Catedrático de Anatomia, sendo considerado como uma grande referência da Universidade de Coimbra. Nos anos 50 do séc. XX foi homenageado, durante um congresso de cirurgia, como um dos 3 grandes vultos da Escola Anatómica de Coimbra (fig.9).

Fig. 9 – Cartaz do XX curso de aperfeiçoamento e revisão da FMUC.

Dos vários cargos que desempenhou destacam-se o de Secretário da Universidade, entre 1889 a 1895, o de Diretor do Laboratório de Anatomia Descritiva e Topográfica, de 1911 a 1921, o de Diretor das Enfermarias de Doenças Infetocontagiosas, de 1912 a 1926, e o de Diretor da Clínica de Tuberculosos, entre 1924 e 1926. Foi também encarregado dos estudos clínicos, bacteriológicos e meteorológicos proveitosos para o tratamento dos tuberculosos no planalto da Serra da Estrela. Colaborou com o Dr. Sousa Martins, durante o Verão de 1888, na assistência gratuita de doentes na Serra da Estrela, inserido num projeto científico onde defendiam a criação de sanatórios na Serra, usando a climatologia como tratamento da tuberculose.

Para a escolha da carreira de professor de Anatomia não deve ter sido alheio o facto de ele ser possuidor de uma memória prodigiosa, tão necessária nesta disciplina, só comparada no seu tempo à do seu genro, o Dr. José Caeiro da Mata, professor da Cadeira de Direito Peninsular, uma espécie de Anatomia da Faculdade de Direito, e talvez também à do Dr. Marnoco e Sousa, professor de Direito, que nos domínios da hipermnésia seriam equivalentes, segundo consta nas memórias do Dr. Jorge de Seabra no seu livro “A Coimbra Académica do meu tempo”.

  
                Fig. 10 – Casa do Esporão -  2015                       Fig.11 – Brasão dos Viscondes do Vinhal

Em 1889, com cerca de 32 anos, o Dr. Basílio casa no Esporão com Dona Ana da Cunha Freire Magalhães, filha do Dr. José da Cunha Magalhães, bacharel em direito e advogado em Oliveira do Hospital, e de Maria da Glória Garcia Borges Cardoso, do Esporão, irmã do Dr. Agostinho Borges de Figueiredo e Castro, um poderoso e rico proprietário, dos maiores da região. O Dr. Agostinho viria a ser agraciado nesse mesmo ano, pelo Rei Dom Carlos, com o título de Visconde do Vinhal, por decreto em 19-12-1889. Também nesse ano terá sido construída a Casa do Esporão, talvez a capela tenha sido inaugurada com o casamento.

A título de curiosidade, o Dr. Agostinho, bacharel em direito pela UC, era advogado e um inimigo declarado de João Brandão. A questão terá começado em 1854, ano da sua formatura aos 25 anos, quando a esposa de João Brandão, D. Ana Cândida Correia Nobre, que comprara em 1842 ao pai do futuro Visconde, Domingos Borges de Figueiredo, um olival de que este era possuidor na Várzea de Candosa e o filho, por razões várias, agora contestava. Tornou-se assim seu inimigo culminando, como testemunha acusatória, no célebre processo da morte do padre Portugal, que viria a condenar João Brandão ao degredo para África. (Apontamentos da vida de João Brandão, pág. 152 a 156)

Após a morte do Visconde, por não ter tido sucessão, foi herdeira da Casa do Esporão a sua sobrinha, esposa do Dr. Basílio Freire. Contudo, este irá viver grande parte da sua vida em Coimbra, no Penedo da Saudade, dedicado à família e à Medicina. Uma das suas filhas, Maria da Glória da Cunha Magalhães Freire, nascida em 18 de Agosto de 1890, casa em 23 de Abril de 1911, na capela de Santo António da casa do Esporão, com o seu amigo e colega, Dr. José Caeiro da Mata, Professor Catedrático de Direito na Universidade de Coimbra até 1919, ano em que se transferiu para a Universidade de Direito de Lisboa, onde chegou a ser Reitor em 1927. Ela vem a falecer prematuramente, em 1938, com cerca de 48 anos.


   
    Fig. 12 – Dr. José Caeiro da Mata        Fig. 13 – Duelo de Caeiro da Mata com Manuel Afonso da Espregueira

 O Dr. José Caeiro da Mata foi também um político da Monarquia Constitucional, chegando a ser deputado da assembleia pelo partido Regenerador (liderado por Hintze Ribeiro) ficando, infelizmente, associado a um episódio parlamentar insólito. Envolveu-se num duelo ilegal, à antiga, com o ex-ministro da Fazenda, Manuel Afonso da Espregueira, embora sem daí terem resultado quaisquer ferimentos para ambos os lados, o incidente levou à queda do Governo, contribuindo para desacreditar a já débil monarquia e apressando a implementação da Republica Portuguesa. No novo regime republicano, dedica-se à carreira académica, ao mesmo tempo que inflete para a direita conservadora católica. Em 1933, no início da Ditadura, foi Ministro dos Negócios Estrangeiros e abraçou definitivamente a carreira diplomática. Em 1944, a convite de Salazar, adere ao Estado Novo como Ministro da Educação Nacional, colaborando com o governo até cerca de 1950. Faleceu aos 85 anos, a 3 de Janeiro de 1963. Segundo vem descrito na Monografia da Freguesia de Midões, de João Pinho, o Dr. Caeiro da Mata e a família passava longos tempos na Casa do Esporão, especialmente na época de veraneio.

A Casa do Esporão que, citando A Comarca de Arganil de 23-11-1937, “foi palco de um violento incêndio de 20 para 21 de novembro de 1937, suspeitando-se de mão criminosa. Ao que parece a capela foi poupada”, foi portanto reconstruida e melhorada nessa época pelo Dr. Caeiro da Mata.


 
 Fig. 14 – Dr. Basílio Freire

 
               Fig. 15 – Dr. Caeiro da Mata              Fig. 16 – Eng.º Basílio Caeiro da Mata

O seu único filho nasceu em Coimbra, em 9-08-1912, de seu nome Basílio Francisco José de Magalhães Freire Caeiro da Mata, viria a ser 2º Visconde do Vinhal, Senhor da Casa do Esporão e administrador da capela de São Pedro de Travanca. Engenheiro Mecânico, formado no Instituto Superior Técnico de Lisboa, viria a desenvolver o seu trabalho como administrador de empresas, nomeadamente na companhia de Caminhos de Ferro Portugueses. Foi também secretário particular de seu pai, enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Educação Nacional.

Fig.17 – Os Viscondes do Vinhal comemorando as bodas de ouro na sua Casa do Esporão.

Casou em Lisboa, em 12-10-1939, com a espanhola Margarita Rosália González-Fierro y Vina, conhecida por Margot Fierro Vina, filha de um poderoso e riquíssimo industrial e banqueiro espanhol originário de Gijon, Astúrias, Ildefonso González-Fierro Ordonez e de Florentina Vina y Campa. O seu Pai criou um império que começou durante a guerra civil espanhola e que se perpetuou durante e no pós-2ª Guerra Mundial com a exploração de minas de carvão e volfrâmio, também na área do petróleo, da indústria fosforeira e tabaqueira (tendo fundado a Fosforeira Espanhola) e ainda nas áreas da construção e das finanças, fundando o Banco Ibérico.

Fig. 18– Familia Fierro

O Eng.º Caeiro da Mata vem a falecer, com 84 anos, em 1996 e a sua esposa em 18-5-2004 terminando assim a geração do Dr. Basílio Freire, do ramo da Casa do Esporão, visto que na última geração não houve filhos. Segundo se conseguiu apurar, os herdeiros, sobrinhos espanhóis, venderam a Casa do Esporão e todo o seu recheio em 2015, ficando tudo disperso e desinserido do seu contexto histórico familiar.

Fig.19 – Casa do Esporão após o incendio de 15 de Outubro de 2018. (vista lateral)


  
Fig. 20- Casa do Esporão após o incendio de 15 de Outubro de 2018. (vista de frente)

Lamentavelmente, a Casa do Esporão sofreu novamente um violento incendio, no recente Outubro Negro de 2018, ficando bastante danificada. Espera-se que, qual Fénix renascida das cinzas, a casa seja, uma vez mais, reerguida e uma nova família a possa dignificar perpetuando a sua história junto das gerações vindouras.
Quanto ao Dr. Basílio Freire, distinto travanquense, fica aqui a minha singela homenagem!



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