segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Figuras do meu tempo

 



Fig. 1 – Retrato com cerca de 19 anos




Maria Cerca

Chamava-se Maria dos Anjos Costa, e já nos últimos anos de vida perdeu o Costa ficando apenas Maria dos Anjos, era a minha avó Maria, conhecida por todos como Maria Cerca. O apelido vem já de família, já a mãe, minha bisavó, era a Cerca. Os Cercas têm origem na Quinta do Pedrógão, talvez tenha começado por uns tios, Maria da Nazareth Costa e José de Abrantes por terem sido moradores e trabalhadores na Quinta da Cerca, em meados do séc. XIX.

Fig.2 – À soleira nas escadas de sua casa, anos 80


Teve uma vida difícil, mãe de 4 filhos, um, o meu tio Vasquito, faleceu com apenas 14 anos, facto que lhe deixou marcas para sempre. Embora casada até ao fim dos seus dias, ficou mãe solteira e desamparada muito cedo, com apenas 25 anos. O meu avô saiu de casa e acabou por ter uma vida paralela, com filhos, perto de Serpins. A família não a ajudou, foram para o Brasil e quando parte regressou continuou sozinha na labuta pela sobrevivência. Fez vários trabalhos para conseguir sustentar os filhos, chegou a vender pão na feira, mas foi como cozinheira que ficou conhecida. As filhas foram servir como empregadas de famílias abastadas ainda crianças. Eram tempos difíceis…

Fig.3 – Uma Boda de casamento nos anos 80


Como Cozinheira que foi, afamada nesse tempo, fez as bodas de casamento de grande parte dos residentes de travanca da sua geração, nomeadamente nos anos 60, 70 e 80, e participava noutras festas consoante houvesse necessidade e para isso fosse requisitada. A fig. 4 mostra um dia de festa e a minha avó é a terceira pessoa que se encontra à direita em pé, com os braços apoiados sobre os ombros do Sr. Nunes Moleiro. Foi a cozinheira da boda de casamento da irmã da D. Conceição Brito, Mª Isabel Mendes Costa e Silva Mesquita, sobrinhas do Proprietário José da Silva Neto. Na foto constam, em grande parte, os colaboradores /trabalhadores da quinta do Sr. Silva Neto, que comiam numa ala à parte, como era hábito na época. Muitos destes travanquenses já faleceram, alguns não se identificaram, mas é um belo retrato de época!

Fig. 4- Ala dos empregados da quinta de José da Silva Neto na boda de casamento da sobrinha, D. Isabel Mesquita, 1967


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Figuras do meu tempo

 Mário Sapateiro


O Sr. Mário Santos, conhecido como Mário Sapateiro, por ter sido essa a sua profissão, ele que foi o último a exercer essa arte com sede em travanca, era uma figura afável e muito simpática. Prestava o serviço onde tinha a sua oficina, no r/ch da sua residência. E era por ali que se encontrava normalmente, ou a trabalhar na arte, ou a conversar com os amigos que por ali passavam, como eu por exemplo, ou o seu vizinho Horácio Rato.
Fig. 2- Cabana de apoio

Também trabalhava na lavoura como grande parte dos travanquenses da sua geração e tinha especial orgulho na sua cabana de pedra situada junto à Mata do Búzio, que lhe servia de apoio para guardar as alfaias. Era um enorme megálito de granito transformado em abrigo, que ele teve o gosto de me mostrar. Tinha também essa característica, servir de cicerone pelas maravilhas escondidas de travanca. Foi ele que me mostrou em primeira mão os megálitos com interesse histórico no Búzio e até onde se situavam as Casinhas do Diabo que, envoltas em mato cerrado, eram difíceis de encontrar.

Fig.3 –à procura das Casinhas do Diabo
Fig. 4- A contar a pré- História do Búzio

 

As Casinhas do Diabo que faziam parte do imaginário das crianças de Travanca da minha geração, ao estilo dos contos populares infantis medievais, que amedrontavam e simultaneamente enalteciam a coragem de quem ousasse enfrentar. Foi o que aconteceu certa vez, com o meu tio António Antunes, numas férias de verão que passámos juntos com a restante família. Entra pela caverna, comigo e outros a ver amedrontados, ouvem-se gritos e sinais de luta lá dentro e finalmente sai com a camisa meio rasgada ou desgoelado, depois de ter enfrentado a fera, dita o Diabo em pessoa! Para nós, se não acreditássemos passava-mos a acreditar, tal fora o teatro daquele ato. Provavelmente faziam isso para perpetuar o mito para as novas gerações. Tudo isto na Mata do Búzio, mata que o incendio de 2017 infelizmente fez desaparecer.

 Fig.5 – As Casinhas do Diabo, aspeto exterior

Fig.6- Pormenor do interior 

Era majestosa, com os enormes pinheiros mansos de copa bem alta, por entre as altas lajes de granito que serviam de miradouros para a aldeia e para a serra, tanto do caramulo como da Estrela.

Fig.7- Um miradouro na mata do Búzio


Fig.8- Mata do Búzio, pormenor

O Sr. Mário Sapateiro era também conhecido em travanca, por mera brincadeira, como “O Primo”, pois via sempre uma relação de parentesco entre todos, ou quase. Eu que sou um apaixonado por genealogia achava graça e cheguei a procurar o caminho do nosso parentesco. Ele só não sabia os nomes dos antepassados mas tinha uma espécie de instinto genealógico!



segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Figuras do meu tempo

 

HORÁCIO RATO

Fig. 1 - No Café do Sérgio


O Sr. Horácio era um cartão-de-visita de travanca. Sempre pronto para mostrar os mistérios escondidos do vasto património rupestre da nossa afamada terra. Foi o Sr. Horácio, com toda a sua simpatia e amabilidade que me foi mostrando as primeiras sepulturas antropomórficas, os primeiros lagares rupestres e outros locais interessantes, porque sabia que me interessava pela história de travanca. Nessa altura, quando me encontrava no Povo perguntava-me – Oh! Menino já conhece o sítio X? - E de seguida prontificava-se a mostrar-me a novidade por entre terrenos de cultivo e mato…


Fig. 2 - À procura da sepultura perdida
Fig. 3 - Nos Covais

Ele e o seu irmão, Manel Rato, eram distribuidores de pão em travanca, que o faziam, ele de mota e o Manel Rato de bicicleta, com um cesto bipartido nas traseiras dos velocípedes, conhecido por cesto de pernas. Embora houvessem mais padeiros, como por exemplo o Sr. António Brás. Paravam de porta em porta, pendurando os sacos com o saboroso pão feito em forno de lenha. Lembro me bem do som característico da buzina a avisar a sua chegada! Esse som característico que se mantem na minha memória e que só rivalizava com o toque do sino da igreja! 

O Sr. Horácio não só distribuía o pão como foi padeiro toda a sua vida, uma grande parte do tempo na padaria de travanca, propriedade, na altura, do Sr. Luís Tânica. E que saudades da nossa padaria e de comer o pão quente à meia-noite! Especialmente nas férias de setembro, quando em grupo tocávamos no vidro da porta da padaria, já com um pacote de manteiga na mão e amavelmente nos atendiam. De dentro vinha um bafo quente mas saboroso, muito característico. Nessa época não me recordo do Sr. Horácio por lá mas Lembro-me de ver muitas vezes o Sr. Zé Marques vestido de branco e com farinha da cabeça aos pés, a trabalhar arduamente e que o faria pela noite dentro, interrompendo apenas para nos vender os papos-secos quentinhos. E nós acabávamos a noite no cruzeiro a deliciarmo-nos com o pão quente com manteiga.

Fig. 4 - Manel Rato, junto ao pio da fonte Arcada

O Manel Rato foi também o sacristão de travanca, cargo que ocupou mais de cinquenta anos. Tinham também um outro irmão chamado Abel Rato que penso ter sido agricultor.